Panis et Circenses

Guimarães: ”Agradeço à Rita Lee pela libertação do Ricardo babaca e alienado”

Agradeço à Rita Lee, uma das mulheres mais peitudas que já conheci, por fazer coro no movimento pela libertação do Ricardo babaca e alienado. Eu via na minha frente “as pessoas da sala de jantar ocupadas em nascer e morrer”. Eu podia ser uma delas.

Caro Paulo,

A primeira vez que vi a Mona Lisa do Leonardo da Vinci com bigode e cavanhaque eu não acreditei no deboche. Imediatamente seu autor, Marcel Duchamp, se tornou meu ídolo absoluto, libertador do meu espírito livre, crítico, irreverente e questionador. Eu tive a sensação de ter encontrado minha turma no Dadaísmo. Destruir a arte como instituição para salvar a arte como experiência. Yes!

Mas, se minha experiência com o humor de Duchamp foi tranquila, com Fernando Pessoa foi o oposto. Você sabe que venho de uma família muito fervorosa e praticante da religião católica e que fui educado pelos jesuítas por dez anos. Agora imagine o impacto que teve em mim ouvir um poema de Fernando Pessoa dizendo que “Jesus tinha dois pais: um velho chamado José e uma pomba estúpida, a única pomba feia do mundo”.

Ele estava se referindo ao Divino Espírito Santo! Em seguida ele dizia que a Virgem Maria “não era uma mulher, mas uma mala na qual Jesus tinha vindo do céu”. Eu me senti excomungado só de ouvir a blasfêmia, mas pior ainda foi eu me flagrar rindo da pomba estúpida e da mala. Culpa, culpa, culpa, riso, riso e finalmente a libertação!

Aleluia, irmão! Pessoa me libertou da ignorância e se tornou um dos introdutores da espiritualidade que está segurando a minha onda e alimentando minha vida até hoje. Que graça! Hoje consigo entender o verdadeiro sentido do Espírito Santo e de Maria. Consegui o passaporte para transitar em todas as religiões, sem medo de ser feliz.

Humor demolidor

Outra figura a quem peço a benção e agradeço por fazer coro no movimento pela libertação do Ricardo babaca e alienado é Rita Lee, uma das mulheres mais peitudas que conheci na vida. Talento, consciência e coragem, quando andam juntos, sobem o nível da raça.

Que gratificação extraordinária senti ao ouvir a comédia “Panis et circenses”, que estava sendo ouvida na TV da sala de jantar do Brasil reprimido e inibido, carente do espírito libertador do Tropicalismo. Eu via na minha frente “as pessoas da sala de jantar ocupadas em nascer e morrer” (aliás, “Panis et circenses” podia ser um quadro do Porta dos fundos hoje!) Eu conhecia aquelas pessoas. Eu podia ser uma delas.

Eu digo que eu podia ser uma das “pessoas da sala de jantar ocupadas em nascer e morrer” porque é muito sedutor e confortável se alienar e não correr riscos. Por isso coloco também no meu altar do riso o cara que mais debocha do institucionalizado correndo risco de ser pego pelo sistema: Banksy. Seu humor é ácido, violento e perigoso. Não só pelo grafite do qual é o mestre, mas pelas brincadeiras que faz para desmoralizar a atitude presunçosa dos administradores de museus e seus visitantes.

Por exemplo, colocar nas paredes do Louvre, em Paris, um quadro em que a Mona Lisa tem a cara do Smile (carinha gráfica) e esperar para ver quanto tempo as pessoas demoram para perceber a fraude. Dias!!! É o deboche da atitude by the book com que as pessoas enganam a vida.

Eu sou grato ao humor demolidor porque ele cura. Dói, mas cura, principalmente, as doenças da alma. Contra o torpor? Use humor! Eu uso há 64 anos e garanto que funciona.

Meu abraço,

fechar