No silêncio do topo de uma montanha, o empresário tem as suas melhores idéias
No silêncio do topo de uma montanha ou durante a calma do sono, Oskar Metsavaht tem as suas melhores idéias. Esse gaúcho que herdou do pai a paixão pelo surf, começou sua vida de empreendedor destruindo os patins da irmã para fazer um skate e abraçou o risco de jogar para o alto uma carreira ascendente de ortopedista para se dedicar à moda faz pouco caso do medo.
Descendo encostas virgens nos picos nevados mais remotos do planeta ou desafiando as leis do mercado ao vender casacos de neve em Búzios, Oskar mantém a integridade de quem vê o mundo com os próprios olhos. E espera os outros descerem na rabeira. Neste mês, ele lança o terceiro volume da série de documentários de snowboard Surfing the mountains, em parceira com seu irmão Leonardo, e surfa tranqüilo o mundo fashion internacional à frente da Osklen. Sem temer os tombos e sem olhar para trás
Antes de começar uma reunião com investidores, um CEO apresenta um slide que contém o seguinte anúncio: "Médico brasileiro procura sócios para abrir loja de casacos de neve em Búzios". E logo em seguida vem a pergunta: achou a idéia absurda? Pois é. Eis a história da Osklen, uma das marcas de maior prestígio no país e que agora começa a se firmar internacionalmente. São mais de 50 lojas. Dez delas no exterior. Do balneário fluminense até Tóquio ou Nova York, pouca coisa mudou. "Ainda faço exatamente o mesmo que no dia em que abri a primeira loja. Compro um sanduíche, sento na calçada do outro lado da rua e fico horas observando quem pára em frente à vitrine. E é sempre a mesma coisa, o cara cool pára e depois entra. Descobri que ia dar certo no primeiro dia", diz o estilista Oskar Metsavaht, dono da Osklen.
Homens de negócios gostam de atalhos. Ele prefere andar na contramão. Durante a adolescência, mandava fazer camisas floridas com tecido de cortina que arrancavam gargalhadas dos amigos nas festinhas de domingo. Virou surfista no interior do Rio Grande do Sul, snowboarder quando se mudou para o Rio de Janeiro, estilista depois de anos dedicados à medicina com especialização em Paris. Criou uma marca esportiva quando o bacana era o espírito underground e bateu na tecla do ecologicamente correto nos tempos em que salvar o mundo ainda não estava na moda. Hoje, faz piada disso tudo entre um drinque e outro em festas como a do colega Valentino e se orgulha de não ter tido medo de encarar trilhas desconhecidas para chegar até o topo. "Comigo é assim: me jogo e depois me garanto. Tanto no trabalho quanto nas montanhas", manda.
A filosofia que adotou parecia de gueto, mas virou mainstream. Hoje defender a natureza é obrigação, mas, para quem foi educado com consciência ecológica e carrega no sangue o peso de um sobrenome estoniano que significa "guardião da floresta", o processo é muito mais natural. E a responsabilidade também. "Fui nomeado cônsul honorário da Estônia. O país do meu pai é a principal área de florestas milenares preservadas no mundo. Estou achando o máximo. Até de carro com batedores eu já andei."
Oskar conversou com a Trip durante seis horas em um restaurante japonês de Ipanema. Entre um saquê e outro, descalço, pernas cruzadas sobre o tatame e coluna ereta como se fosse meditar, quase não deixou espaço para silêncios. Falou sobre as expedições ao Alasca e ao Himalaia que filmou com o irmão Leonardo: "Não gosto de aventuras. Faço essas viagens para realizar sonhos, como conseguir chegar a lugares que você vê num filme ou numa National geographic", dos tempos em que saía do plantão médico e corria para as costureiras e, entre a esposa, Nazaré, o diretor de marketing e a assessora de imprensa, não escondeu o jogo quando o assunto foi vaidade, bastidores do mundo da moda e não teve medo de afirmar: "Só eu e o Alexandre [Herchcovitch] somos internacionais".
O que te motivou a documentar suas viagens de aventura em filme? Comecei a documentar as coisas na primeira expedição, em 1986, lá no Aconcágua [Chile]. Foi uma expedição dessas de filme, 30 e poucos dias na montanha, gente morrendo. Casca-grossa. Nós fomos na cara-de-pau e fizemos uma coisa bem interessante, uma expedição científica, com o Globo repórter acompanhando. Foi lá que vi o que é documentar. Nos últimos dias de expedição, estávamos a 5 mil e poucos metros e tivemos quatro dias e meio com tempestade de neve, sem sair de dentro da tenda. Imagina viver ali, sob vento, tempestade o tempo inteiro. Tudo é branco, frio, te arrebenta. É como se você passasse o dia inteiro derretendo água para poder fazer a comida. Daí, no meio da noite quando a tempestade pára, você acorda pelo silêncio. Abre a portinha de zíper e tem uma lua assim [abre os braços para indicar uma lua gigantesca]. Falei: "Caramba, não quero esquecer isso pro resto da minha vida".
Tinha quantos anos? Vinte e quatro anos e meio. Estava fazendo meu último ano de medicina. Cara, foi a primeira experiência que eu tive assim de dizer "uau". Foi tão forte que pensei: "Não quero perder isso jamais". E você lembra das pessoas que ama e sente vontade de compartilhar. Quando voltei de lá, resolvi que queria escrever sobre aquilo, fazer um livro. Quando já estava numas dez páginas só pra explicar essa sensação, percebi que não era comigo não.
Daí partiu para o filme? Já tinha experiência em filmar antes? Meu pai tinha super-8, mesa de edição, tudo isso. Eu e meu irmão Leonardo roubávamos os rolos dele de vez em quando, antes de vencer, e fazíamos nossos filminhos de skate, de surf. Aí compreendi um pouco a edição. Tinha aquela experiência e a de ter participado do Globo repórter. Em 89, 90, eu conheci o snowboard, que unia duas coisas de que eu gostava, montanha e surf. E aí, com uma camerazinha, comecei a filmar nossas trips. Nessa época, a SporTV estava no início e precisava de conteúdo. Sabe aquele filminho que você faz e mostra para os amigos? Vamos fazer melhor e passar para mais gente. Um dia, eu estava com o Leonardo em Vale Nevado, subindo de ski lift, e um chileno falou de um lugar com um vulcão. Era Pucón, que hoje todo mundo conhece. Ele contou de uma última erupção em que a lava tinha ido só para um lado e havia formado um grande canaletona coberta de neve, um gigantesco half-pipe. Nós decidimos documentar. Chamamos o Silvestre, um amigo que filmava em super-16, e fizemos o documentário.
Isso se tornou a série de filmes Surfing the mountains? A série é o projeto de dois irmãos que têm o sonho de surfar as melhores montanhas do mundo. Não pelo perigo, pela altura. É só para escolher a melhor neve, a melhor inclinação de montanha para a nossa capacidade. E nós sempre imaginávamos filmar no Himalaia e no Alasca, que são as melhores montanhas isoladas do mundo.
Passou algum perigo, algum apuro? O maior perigo é o avião chegar atrasado [risos]. Tenho uma coisa assim: se as coisas são perigosas ou ruins, eu deleto. Mas houve situações perigosas. Primeiro fomos a um glaciar, para tentar descer. Contratamos um piloto e perguntamos se ele conseguia descer lá e depois fazer o resgate. Ele topou, mas, quando pousamos, o avião atolou. Escavamos a neve e liberamos o avião. O piloto disse que ia esvaziar o tanque e voltar para fazer o resgate. Ficamos meio desconfiados, e o Leonardo disse: "Eu vou com ele". Sabia que, se ele fosse, traria até a Força Aérea para nos resgatar. Ficamos eu e o Silvestre. Já estava começando a entardecer e nada. A gente começou a cavar a neve e estávamos nos preparando para dormir por lá, mas o cara voltou. O Leonardo pegou o cara e falou "meu irmão não vai ficar lá não". Isso foi perigoso, porque lá não tinha nada, e o cara não ia voltar.
Ia dormir na neve mesmo? Eu já fiz isso, eu já dormi debaixo de neve, só em saco de dormir, no Montblanc. É como ficar na rua. Você entra no saco de dormir, fecha inteiro, se amarra nas pedras e deixa a tempestade de neve cair. É uma situação que você tem de controlar, mas é uma experiência boa. Você dorme exausto. É diferente de enfrentar um cara com uma arma ou dirigir. É mais perigoso dirigir pra Búzios de carro.
Você dorme bem? Quando criança, demorava para dormir. Não durmo quando acordo no meio da noite com uma idéia. Mas é bom. São as melhores idéias que se tem, né?
Acontece com freqüência? Hoje menos. Olha só como eu aprendi a dormir. Primeiro, dormi bem no saco em tempestade de neve, dormi naquele lá do Aconcágua. Num frio tão grande que o teu vapor do bafo bate no teto da tenda, congela, cai no teu rosto, e você acorda no meio da noite com um geladinho. Aprendi a dormir em montanha. E também tem a experiência do plantão médico.
Daí você tem de dormir quando dá. Fazia plantão em Cachoeira do Macacu. Fica na estrada para Friburgo. Eu trabalhava 24 horas no sábado. E estrada de noite, neguinho bebe, tem acidente de carro, essas coisas. Eu era o único de plantão. Em época de dengue, que chegava um atrás do outro, tinha uma fila gigantesca. E o pior é que de sexta pra sábado eu ainda saía na night. Eu fazia parto, tinha os acidentados, os bêbados chegando, gente morrendo. Era Mash. Eu peguei Mash no [hospital do Rio] Souza Aguiar, mas não sozinho. Você fica exausto, chega a doer a cabeça, mas você aprende a dormir 5, 10 minutos profundamente. Mas, quando chegava alguém, era ligar, pensar, curar e salvar. Tem responsabilidade de fazer tudo bem-feito. Botava a cervejinha na cadeira, não para beber, mas pra fazer um travesseirinho, para dar a altura, e dormia. Domingo de manhã eu saía do hospital, ia pra rodoviária, pegava o ônibus que vinha de Friburgo, tomava umas duas cervejas, deitava no corredor, no fundo do ônibus, e apagava. Isso foi um aprendizado muito bom para quando as crianças eram pequenas, eu acordava sempre para cuidar delas.
Como é sua relação com os filhos? Ah, legal. Quem não ia gostar de ser filho do Oskar da Osklen [risos]? A menina tem 15, um menino tem 12 e outro tem 9. A minha relação com eles é passar experiência.
É um pai severo? Severo não, eu acho que eu digo as coisas. Desde pequenininhos falo com eles como adultos. Faço uma coisa que aprendi com minha mãe, que é ensinar a pensar, entendeu? E vejo que está funcionando. Mas eles reclamam, falam mal: "Ih, pai, você vive falando cool." E dá-lhe cool, cool, cool. Eles tiram sarro da minha cara [risos]. E falam: "Ai, pai, você é metido, pai, você não sei o quê.". No Orkut tem uma comunidade Eu queria ser filho do Oskar Metsavaht [risos]. Daí eu falei pra eles: "Tá vendo, vocês ficam reclamando, mas tem toda uma comunidade que queria ser" [risos].
Teve outra experiência difícil em suas aventuras? O Leonardo pegou uma avalanche no Himalaia. Eu tinha descido na frente dele, filmando. Você sempre pára atrás de um rochedo. E tava um tempo muito fechado. Estava o Silvestre, o assistente de câmera, do outro lado filmando, e o Leonardo veio descendo. A gente estava num lugar que não devia estar. E vem uma avalanche. Aquilo durou uns 5, 10 segundos. Imagina ver seu irmão no meio da avalanche? Você não vê nada, tenta acompanhar com o olho, para ter uma idéia de onde ele caiu e correr para tentar pegar o sinal do transmissor e resgatar. A sorte foi que não tinha pedra pra ele bater nem nada. Quando percebemos que ele estava bem, eu olhei para o Silvestre e perguntei: "Pegou [a cena em vídeo]?". Ele disse: "Peguei tudo [risos]".
Acha que o fato de você ser médico dá uma segurança? Ajuda, em várias situações. Por exemplo, eu estava surfando na Indonésia e quebrei o dedo. Estava há dois dias naqueles barquinhos de pescador, sabia que ia necrosar e perder o dedo. Dei a anestesia lá mesmo, no meio das galinhas, e pedi para puxarem meu dedo para voltar ao lugar. Fui para um hospital local, morrendo de medo. Deito na maquinha, coisa de filme, e entram os médicos, falando em indonésio, "ichiciicici". Vi que iam me dar uma anestesia. Eu estava nervoso, pô, quem é o anestesista? Entra um cara meio molambo, aqueles olhinhos orientais, parecendo filme do Vietnã. Ele me dá a anestesia, e eu apago. Quando acordei, vi que tinha sido super bem-feito. Eles foram maravilhosos.
Você surfa desde moleque? Desde os 12 anos. Colava madeirinha na pranchinha de madeira para fazer uma quilha. Meu pai foi um dos primeiros surfistas do Rio Grande do Sul. Ele e o [empresário] Jorge Gerdau foram os dois primeiros.
E andava de skate também? Eu e meu irmão fizemos a pista de Caxias do Sul, a segunda do Brasil. A primeira foi em São Paulo. Era num clube campestre, mas eu não sabia o que era skate direito na época. Isso foi em 77, 78. Desenhei a pista com um arquiteto, os caras pegaram o terreno lá no clube e bancaram.
Tinha uma turma de skate em Caxias? Só eu e mais os meus amigos. Imagina, em Caxias do Sul, no interior, a gente já surfava, mas estava a cinco horas da praia. Eu queria surfar, então o skate era a solução. Fiz meu primeiro skate. Quebrei os patins da minha irmã, cortei ao meio e preguei numa tábua. Só que não andava nada. Depois ganhei um daqueles banana boat, da Califórnia. Me lembro de sair de noite com os amigos. Loucurada, porque era tudo paralelepípedo. Não dava pra andar na rua. A gente pegava uma calçada com entrada de garagem que tivesse uma ondinha. Não era o street skate de agora, a gente procurava lugares que fossem parecidos com onda pra fazer os cutbacks, as batidas. Essa procura por um espaço, pela calçada ideal, que dá uma curvinha, é o que a gente faz hoje em dia nas montanhas do Alasca, do Himalaia.
É a mesma sensação? É, de experimentar e descobrir um lugar novo. O snowboard tem dessas coisas. Eu me lembro na época de olhar revistas de esqui, de montanhas, a National geographic, as revistas de surf. Hoje se pega uma prancha, põe na neve e anda. Concorda que é muito romântico surfar as montanhas do Himalaia? Percebi que é a mesma forma como eu crio as minhas coleções. Sempre fui muito dessa coisa de me jogar e depois me garantir.
E tomou muito tombo? O tombo faz parte. Quem anda sabe que o tombo não é nada.
Tem religião? Acredito que espiritualidade é uma coisa de cada um, é um momento seu, de concentração, um momento de conectar consigo mesmo a ponto de perceber que tem alguma coisa a mais. Tenho muito mais fé no que nós somos, na nossa capacidade mental, e acho que a gente não aprendeu nada de espiritualidade ainda. Sou cristão, acho que Cristo foi um cara genial. Ele e a turma dele. Eles deviam ser uns caras inteligentíssimos, sensíveis, com sabedoria, e ensinaram o bem. Mas aí todas as igrejas pegaram aquele símbolo e pasteurizaram, começaram a fazer os McDonald's todos que foram surgindo por aí. Com todo respeito, porque há vários valores bons em todas elas. Quando eu viajo, gosto de ir aos templos, às igrejas. Respeito a simbologia de uma igreja, do templo budista, sabe? Dou uma meditada para sentir. Que nem eu me senti dentro de uma tribo ianomami, dentro de uma oca, com uma lua entrando. Quando você sente aquilo, vem aquela luazona em cima de você. Pô, contatos imediatos. Eu me permito fazer uma certa simbologia. O sinal-da-cruz é o quê? É meditar. Sabe, várias religiões são formas de ajudar você a entrar num estado espiritual, meditativo, aí cada um leva o seu.
De onde vem o Metsavaht? Vem da Estônia e significa o guardião da floresta, em finlandês e estoniano, porque finlandês e estoniano é tipo espanhol e português. Só não têm nada a ver com Rússia, Lituânia, Letônia.
Já esteve lá? Fui pra Estônia há dois anos, convidado pelo governo, e agora virei cônsul. Eu não falo estoniano, meu pai até aprendeu com os pais dele, mas nunca me ensinou. Me perguntaram se eu sabia que meu sobrenome queria dizer guardião da floresta. Disse que sabia porque meu pai sempre me falava. Dentro de casa, sempre tive uma cultura ecológica. Então o sujeito falou: "Você tem que se orgulhar disso, porque não tem mais Metsavaht aqui, e a Estônia é o país que tem a maior área de florestas milenares preservadas até hoje no mundo todo". Claro que é um país pequeno, mas 60% da extensão territorial é de reservas milenares. Isso é raríssimo na Europa. E foi graças aos Metsavaht.
Quanto tempo dedica à Estônia, agora que é cônsul? Eu estou indo semana que vem pra lá. Sou cônsul honorário. Como não tem ainda o consulado oficial, eu sou o consulado [risos]!
Por que você resolveu fazer medicina? Eu tinha 17 anos, né? Sou filho de médico de Caxias do Sul, acho legal medicina, tenho uma boa formação aqui e formação fora, fui pioneiro de uma técnica no Brasil, tenho meu nome publicado em livros e tudo, é a técnica de mesoterapia [que utiliza remédios em doses reduzidas]. O Leonardo hoje em dia é considerado um dos grandes mesoortopedistas dessa área, no mundo todo. Fundei o primeiro centro de reabilitação de medicina do esporte, tinha clínica aqui em Ipanema, de sucesso.
A medicina teve de competir com a Osklen? Até 96, 97, foi em paralelo. Tinha os horários que eu estava na Osklen de manhã, no consultório à tarde e ainda tinha hospital, plantão.
Você começou a fazer roupas para você mesmo, não? É, sempre. Comecei e continuo fazendo.
Mas por quê? Era difícil comprar aqui? Aqui tinha só aquelas jaquetas Califórnia Racing, e não dava. Você sua lá na montanha e morre congelado com seu próprio suor. Daí que eu desenvolvi um tecido que permitia a transpiração. A primeira peça eu fiz com meu conhecimento de biofísica e ergonomia. Desenhei, e meu pai tinha um amigo em São Paulo que tinha uma fábrica de tecidos. Pensei em misturar náilon com algodão, e funcionou.
Era um casaco de médico, funcional, ou já era fashion? Era mais funcional, a calça também, só que ficou bonito, ficou legal, todo mundo gostou.
Por que você resolveu abrir uma loja de roupa de neve em Búzios? Não é que eu resolvi. Fiz pós-graduação na França. Já tinha escalado o Montblanc, ido aos Alpes, e sempre prestava atenção nos casacos de neve, nas lojas de esqui, de montanhismo. E via que o casaco que eu tinha feito era legal. Voltei em 88 e tinha duas opções: ou voltar para Caxias do Sul, ou permanecer na universidade. Como eu voltei com uma técnica nova, me convidaram para ficar no Rio e montar um serviço de reabilitação. Eu tinha uma graninha e queria mostrar o meu casaco. Não estava querendo vender, era muito mais mostrar que eu tinha feito algo legal, coisa que tenho até hoje. Pensei: "Como vou fazer isso? Não tenho experiência nenhuma, sou médico". Na época, eu namorava a Milene, que trabalhava na Yes Brasil!. Batendo um papo sobre isso, ela disse que tinha uma modelista. Desenhei outros casacos, e a gente resolveu fazer a marca.
Por que Osklen? Osklen é metade do meu nome, com LEN, que é metade do nome da Milene ou do Leonardo, meu irmão que me ajudou a fazer o primeiro casaco lá atrás. É o simbolismo.
E a Milene? Ela morreu de câncer há uns cinco anos. Amigos sempre. Na verdade, ela ficou a melhor amiga da Nazaré, minha mulher. Tanto que a Milene morreu no hospital com ela. Fomos sócios até 92, 93. Ela até chegou a ter uma franquia da loja, mas depois abriu um negócio dela.
Como entra Búzios nessa história? Estava passando em Búzios, num fim de semana, aí vi que tinha uma lojinha para alugar. Eu novo, médico, nunca soube o que é empreender. Mas era viável. Búzios já era cosmopolita como é hoje. E montamos a lojinha com os casacos, umas T-shirts de animaizinhos, shorts de vôlei de praia. Abri no dia 10 de dezembro, com champanhe. Éramos pobrinhos, mas bacanas [risos]. Olha, sem mentira, cinco minutos depois de abertos, entra um italiano, o que é bem Búzios, e diz assim: "Maravilhoso, quero abrir uma franquia e levar pra Itália". A gente não tinha nem nota fiscal. O italiano não acreditou, veio ao Rio atrás da gente na outra semana. Quando ele entrou viu que éramos só eu, a Milene e um boy que também era arte-finalista [risos]. A Milene cuidava da costureira e eu cuidava do design gráfico.
E fabricava tudo no Rio? Eu via todos os processos. Trabalhava como médico até as seis da tarde e me mandava para o subúrbio num Golzinho, para fazer as peças com as costureiras da fábrica de um amigo, depois do expediente. No sábado, abria a lojinha e vendia. Botava lá e vendia. Dinheiro no bolso de verdade.
O sucesso da Osklen tem a ver com olhar de um jeito diferente para o negócio? De entender um estilo de vida e se voltar para ele? De apostar exatamente nisso. Sempre pensei em fazer roupa para mim. Se entendo a simbologia dessa tribo, consigo decodificar isso. Não acredito que existam nações geográficas. Existem nações de lifestyle. Sou muito mais parecido com um japonês, um americano ou um indiano que leia os mesmos livros que eu tenha lido, que tenha assistido aos mesmos filmes e tenha viajado pros mesmos lugares, sabe? Essa pessoa é bem mais parecida comigo do que o meu vizinho, que é carioca, é brasileiro e mora 10m em minha frente. Minhas lojas são 40 e poucas aqui e 10 lá fora, são um canal de comunicação de onde eu posso me expressar, mandar meu "oh". E conecta. Porque o cara entendeu a linguagem, não porque é bonitinho. Tudo o que eu faço, do conceito da coleção aos filmes, tem uma coerência. A nação de lifestyle é um cinturão, um laço, é cultura, na verdade.
Você é vaidoso? Sou sim. Tem que ser, né? Sou leonino com ascendente em Virgem. Chamo atenção. Uso uns cremes, uns esfoliantes, protetor solar, xampu dia sim, dia não para manter um pouco da oleosidade do couro cabeludo. Mas não chego ao extremo. Sempre peço para alguém me avisar se eu estiver sendo ridículo.
Quem demora mais para se arrumar antes de sair: você ou a Nazaré? Às vezes ela demora mais porque é mulher, mas, na média, sou eu. Se eu vou sair, gosto de me arrumar mesmo. Acho que foi isso que me deu noção de estilo. Sempre digo que o homem é muito careta. Tem medo de se glamorizar, né? É uma cultura latina. O homem tem que chegar na frente do espelho, colocar um cinto, dar uma paradinha, olhar, misturar uma camisa com uma camiseta, levantar a gola da jaqueta. Não se sentiu bem? Então pára. Mas experimenta. Tem que se jogar.
Você sempre foi o cara estiloso da turma? Lembro de uma festinha de clube lá em Caxias do Sul. Eu tinha uns 14 anos, era o surfistinha que sonhava com a Califórnia e queria ter minhas camisas havaianas. Eu ia aos armarinhos, comprava tecido florido de cortina e mandava costurar. Fiz a primeira e fui para a festa de domingo. Quando entrei, os amigos ficaram rindo de mim. Fiquei constrangido. Então aconteceu aquele momento de decisão. Ou vai ou fica. E pensei: "Não, eu tô cool, tô seguro". Ali foi a virada, o dia em que firmei o meu estilo. É a mesma coisa de apresentar uma coleção ou uma tese científica. Você vai se expor, então segura a bronca.
Perdeu o medo do ridículo? Uma vez estava em Londres e comprei uma saia do Yohji Yamamoto. Pretona, linda, feminina, de linho. Já tinha vestido sarongue no Taiti e adorei, porque é raro o homem não ter nada apertando o saco. Dois dias depois tinha festa do Jim Capaldi [ex-vocalista do Traffic, morto em 2005]. Festão! Rock and roll. Coloquei uma bota que eu tinha feito, minha camiseta "Surfing the mountains", blazer. Levantei a gola de bad boy. Só tinha gente supercool, mas quando eu entrei fiz um sucesso.
Tinha um cara no meio da sala todo poser, quando entrei ele até murchou. E para fazer xixi com aquela saia! Foi uma experiência interessante. Eu tava igual a uma noviça rebelde para subir escada, sair do carro! Eu acho que festa é assim. Ou vai para se divertir e tirar uma onda ou fica em casa.
E você pega onda até hoje? Até hoje. E espero que para sempre. Arpoador, Prainha. Mas com as viagens pego pouco. Eu vim morar no Rio por causa do Arpoador. Simboliza meu estilo de vida. O equilíbrio entre o urbano e a praia, que é o que o homem contemporâneo procura. Ninguém mais quer morar no meio do mato, ser bicho-grilo, nem um urbanóide. Nos anos 80 e 90 era assim. Hoje mudou. Para mim, a calçada de Ipanema é uma coluna vertebral do urbano, do moderno com a natureza. Tudo que Londres ou Paris tem, mas em cinco minutos você está na beira do mar, ao lado de um coqueiro. É lindo.
O que você achou desse assédio de grandes grupos de moda querendo gerenciar as marcas brasileiras? Isso é uma tendência no mundo todo. Não tenho nada contra. O Brasil está entrando na moda e o estilo de vida brasileiro vem sendo admirado por gente de fora, e isso nos transmite confiança. Mas eu ainda acho que são poucos os criadores genuínos, com propostas originais. Tem dois. Eu e o Alexandre [Herchcovitch]. Não que os outros não sejam bons nem nada. É uma questão de consistência, é uma originalidade, é um produto bem-feito, uma visão se integrando globalmente e universalmente.
E, com essa entrada no mercado internacional, o que mudou? Como está sua imagem lá fora? Sábado agora eu estava numa festa do Valentino. Entra o Valentino na balada e fala: "Oi, cara!". Ele já esteve aqui na loja e comprou. O Calvin Klein também. Já vi foto dele vestido de Osklen dos pés à cabeça. Passei uma noite com [o estilista] Giambattista Valli falando mal da Dolce & Gabbana [risos]. No inverno passado soubemos que o Dolce tinha ido à loja, e no último desfile dele tem calça nossa. Não sei se copiada. Mas foi uma coisa que eu fiz quando eu voltei da Índia, da viagem a Caxemira. Acho que o estilo pegou. Mas a galera que entende de moda veio me falar: "Pô! Você viu a tua calça no desfile do cara?". Muito bacana. Domingo passado fui a uma festa lá no Gramercy. Encontrei um italiano amigo meu e ele estava conversando com o Dolce. Daí o cara me chamou, e eu me apresentei. E ele fez uma cara estranha. Sabe cara de hum. Eu acho o seguinte: quando você copia alguém, já começa a conversa em outro nível. Copiou, meu amigo? Não vem tentar lamber a mão da criança [risos].