Ordem, progresso e um corcel 72

Se a monarquia fosse abolida hoje, na bandeira estaria ”Inovação, Felicidade e Consumo”

Em um mundo obcecado pela inovação e pelo consumo, é fundamental buscar um equilíbrio entre o velho e o novo, o passado e o futuro

Pensar sobre o tempo é tão antigo quanto o próprio pensamento, quanto pensar sobre a vida e a morte, sobre nossa origem e nosso fim. É por isso que, durante milhares de anos, o tempo foi território das religiões, que resolviam, com exclusividade, essas questões. Santo Agostinho escreveu: “O que Deus estava fazendo antes de criar o céu e terra? Estava preparando o inferno para os curiosos que tentam desvendar esses mistérios profundos”. Os deuses nos criavam, deixavam que ficássemos aqui por um tempo e depois nos levavam para algum tipo de mundo melhor. Para quase todas as culturas antigas, o tempo era cíclico. Assim como se repetem os dias e as estações do ano, o futuro se uniria ao passado, e tudo ficaria bem. Quem acabou com isso foi a modernidade ocidental. De cíclico, o tempo passou a ser linear. Nascemos, crescemos e, no fim, simplesmente morremos. Passado atrás, futuro na frente, esticados como numa régua, e nós sempre no presente, espremidos entre uma origem que não compreendemos e um fim que tememos. Uma vez perguntaram a Woody Allen por que ele filmava, e ele respondeu: “Para não pensar na morte”. A fé serena de Santo Agostinho já era.

Com a Revolução Industrial e a expansão do Ocidente, o tempo, além de linear, passou a ser entendido como “progressivo”. As coisas agora não apenas mudam, elas melhoram. Nossa mente é hoje profundamente marcada pela ideia de progresso, como se ele fosse “natural” (ligada, em parte, a uma assimilação equivocada da obra de Darwin, ao lermos “evolução” onde ele dizia “adaptação”). E progresso gera, por definição, novidade, não sendo por acaso “novo” a palavra favorita dos publicitários. Novo sabão em pó, novas músicas, novos relacionamentos. Não é que os povos antigos rejeitassem, sistematicamente, o que fosse novo. As novidades sempre foram, em diferentes escalas, incorporadas por outras culturas. Para nós, contudo, elas se tornaram uma obsessão.

INOVE COM MODERAÇÃO
Se o Brasil tivesse abolido a monarquia agora, e não há cento e poucos anos, a bandeira não traria escrito “Ordem e Progresso”, mas “Inovação, Felicidade e Consumo”. Afinal, se, para os positivistas que apearam Pedro II do trono, progresso e ordem eram os dois lados da moeda de uma sociedade melhor, calcada na ciência e na razão, para nós, os pós-moderninhos, inovação, felicidade e consumo são os motores de tudo. Pois agora que o tempo é linear, o consumo, que nos faz temporariamente esquecer que morremos no final, se tornou a grande pilastra da felicidade. Ele precisa ser fascinante e inebriante, mas ao mesmo tempo exige-se agora, sustentável, politicamente correto e baseado em custos decrescentes. E juntar tudo isso no mesmo pacote requer muita inovação.
Inovar, óbvio, não é ruim. É só uma questão de moderação. Nem tudo que é novo lava mais branco, lavar mais branco não é necessariamente melhor e, pensando bem, às vezes nem mesmo lavar é preciso. Relaxe, pense melhor, busque um equilíbrio entre o novo e o velho. Pois e se, no fim das contas, os antigos estivessem certos? E se o futuro vier a se unir ao passado? E se o que espera por você, lá na frente, for ordem, progresso e um Corcel 72 novinho em folha com os Carpenters bombando no toca-fitas?

*André Caramuru Aubert, 47, é historiador e trabalha com tecnologia. Seu e-mail é acaramuru@trip.com.br

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