Olhares do Além

por J.R.Duran
Trip #131

Nosso colunista conta que três amigos, já mortos, o acompanham pelo mundo como se estivessem vivos

Um dia sentado dentro de um táxi, no Faubourg Saint-Honoré, em Paris, me chamou a atenção uma cortina que saía voando por uma janela aberta. Era uma tarde ensolarada, eu estava indo para alguma reunião e lembro que na hora em que reparei na cortina voando tive a certeza de que meu amigo Mário estava lá, dentro daquele apartamento do hotel Meurice.

E isso fez com que me sentisse bem. O único problema era que Mário, o Mário de Andrade, tinha falecido muitos anos antes. Descobri, desde então, que tenho um grupo de três amigos, já mortos, que me acompanham pelo mundo com se estivessem vivos.

Mário de Andrade foi o diretor da Playboy que conseguiu, no começo dos anos 80, dar uma consistência para a revista que ultrapassava o nome das mulheres nuas de cada mês. Mário era do tipo Che Guevara: "Hay que endurecerse sin perder la ternura jamás".

Tomei algumas chupadas dele por matérias que não eram como eu imaginava. Mas tudo sempre com muita gentileza e razão. Graças ao Mário, por exemplo, descobri Keith Jarret e o The Kohln Concert, um CD que não saiu nunca mais de minha vida.

Uma vez, ele me convidou para jantar. Quando cheguei, a primeira coisa que ele fez foi tirar um caderninho e colocá-lo na mesa. Durante a noite inteira, anotou idéias e frases que surgiram na conversa e que lhe pareciam boas. Na época, me pareceu irritante. Hoje, também ando com um caderninho inseparável.

Celso Lagos foi um maquiador que trabalhou comigo direto, noite e dia, durante vários anos. Eu, ele e a editora de moda Leda Gorgone éramos inseparáveis. Fizemos quase todas as matérias de moda da Elle brasileira nos primeiros três anos de vida da revista.

Celso sofreu um acidente de carro que deixou algumas cicatrizes em seu rosto, mas isso não o impedia de deixar as modelos espetaculares, sem que se percebesse que tinham sido maquiadas. Tinha uma risada inconfundível, e a gente se entendia com poucas palavras.

Laurinha Figueiredo era mãe de Mônica. Conheci Mônica através de Luís e só então cheguei até Laurinha. A gente se via pouco, às vezes com anos de intervalo, mas tenho a certeza de que ela sempre me entendeu. Pelo que eu era, e não pelo que os outros pensavam que eu fosse. Era uma mulher forte, corajosa, generosa, divertida e que me fazia rir de verdade.

Às vezes, acho que eles estão perto e imagino o que eles falariam em determinada situação. É uma sensação estranha. Eles estão lá, ao meu lado. Vejo os rostos, os gestos. Os três têm em comum, além de terem me sacado de longe logo de cara, o fato de terem morrido quando eu estava fora do Brasil. Mesmo assim, depois de tanto tempo, não me esqueço deles e, parece, nem eles de mim.

Créditos

Imagem principal: Marcio Simch

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