O Sobrevivente ainda preso

por Luiz Alberto Mendes

Sobrevivente

Sujo de tristeza, aflito como os ratos, condenado ao negro e ao nunca mais, estranhou. Ele, pessoa marginalizada que o mundo repelira e que as muralhas entrincheiraram, estava sendo procurado. Pasmou ao saber porque. Queriam conhecer do que se alimentava sua existência.

Como venceu a fome e o exílio, superou a violência, sobreviveu aos cogumelos atômicos da dor, prolongou-se na vida e estendeu-se ao mundo?

Qual o segredo do homem que, caçado nas ruas, teve seu sangue derramado nas calçadas, cercado de grades e jogado às feras?  Vida lacrada; de outras vidas contaminada e infectada. Talvez queiram descobrir e salvarem-se do que criaram.

Porque a lua de lírios decepada, emoldura em branco seu rosto e a morte o evita?

Cinzentos ossos que de cemitérios compõem muralhas. Enquanto os olhos vazam em profundo, um silêncio seco desbravava territórios individuais. E o homem de lágrimas redondas, segue seu caminho de ferro, pisando em poças de dor, esparramando-se em palavras escuras.

Vive em si mesmo, certo de ter um conjunto de engrenagens que fazem seu tempo andar. Um estoque de horas que aprendeu a valorizar em seu maior tesouro.

Viveu lutando contra esse cão ressecado ao sol, essa angústia a perfurar a noite, quando as paredes de sua cela, seu duro esconderijo, se encolhiam. Sofreu esse amor sem uso que pulsava, nessa atmosfera de chumbo que sempre o cercou.

As dores, tão cruas e desnecessárias, o encheram de compreensão e compaixão. A agonia de cada dia o solidificou. De derrota em derrota, construiu a vitória de si mesmo. Sua lucidez foi difícil. Mesmo porque de pouco lhe valeu, se não pode gritar o desespero de enxergar. Vivendo a morte secreta de cada dia, perdido a um sempre se salvar, desceu a seu inferno pessoal para merecer o melhor de si.

Olhos carregados de fantasmas, entende que somente o imprevisível resgatara sua liberdade. Enquanto isso, as primeiras brisas leves do outono, depois de tórrido verão, o lambe de prazer e fecunda esperança. Sua cabeça vazia voa com a luz, demente de tão clara.

Despreocupem-se se o temem, afirma. Esta salvo de seus demônios. Não ensinara seu segredo. Continuara guardado, em gesto alto, porque ele mesmo não tem resposta. Apenas existe e resiste a cada dia, sobrevivendo a si mesmo.

Ainda preso

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