O simbólico e o imaginário

por Francisco Bosco
Trip #234

O #nãovaitercopa e o #vaitercopa foram as duas faces da mesma moeda

O #nãovaitercopa e o #vaitercopa foram as duas faces da mesma moeda. Para quem sabe separar uma dimensão da outra, é possível torcer pela seleção e participar de protestos

O futebol é um fenômeno total. Ele mobiliza diversos registros da experiência: o social e o individual, o econômico e as paixões, a estética, a ética, a cognição, entre outros. Um jogo pode ser lido como um texto de teoria (é a sua dimensão tática, alçada a uma sofisticação sem precedentes pela geração PVC-ESPN); pode ser experimentado como aquela forma cheia de sentido, e entretanto intraduzível, que é a de um poema (qualquer lance de beleza); pode ser criticado em seu âmbito organizacional, com as maracutaias das federações, locais e internacionais (não preciso dar nome aos bois); pode ser o estopim das violências mais brutais (brigas entre torcedores, incluindo assassinatos nas cercanias dos estádios).

Justamente, em sua origem o futebol é sublimação da violência, e por isso mesmo está sempre na iminência de retornar à ela, à sua forma crua. O futebol é a versão civilizada de uma disputa. Quando falamos em disputa, rivalidade, entramos no registro que Lacan, o psicanalista, chamou de imaginário: a dimensão mais primitiva do psiquismo humano, feita de identificações, que formam o narcisismo, a autoimagem de um sujeito, que por sua vez é a base do seu eu. As paixões, no futebol, estão ligadas a isto: torcemos por um clube porque nos identificamos com ele, quem briga com o torcedor do time adversário é porque o experimenta como uma ameaça à sua própria identidade (numa lógica semelhante à do monoteísta que não pode tolerar uma crença diferente).

Tudo isso é a dimensão imaginária no futebol. Mas ele mobiliza também a dimensão que o mesmo Lacan chamou de simbólica: as maracutaias institucionais dizem respeito à Lei (que é o simbólico por excelência); cada vez que um jogador simula uma falta, está cometendo uma falta moral etc.

Por essas razões e desrazões é que o futebol une e desune ao mesmo tempo. Une uma torcida, mas excluindo as demais. Une, para os que gostam dele, por sua beleza, por sua guerra sublimada, por sua inteligibilidade; mas desune esses com aqueles que colocam em primeiro lugar suas faltas contra a Lei.

O #nãovaitercopa e o #vaitercopa foram, às vésperas do acontecimento hipertotal que é a Copa, as duas faces da mesma moeda, o simbólico e o imaginário. De minha parte, penso o seguinte: o futebol só é alienante, “ópio do povo”, para os que não sabem separar uma dimensão da outra. Para os que sabem, é possível, sem contradição, torcer para a seleção brasileira e participar de protestos; comemorar um gol do Neymar e uma conquista do MTST.

Francisco Bosco é escritor e colunista do jornal O Globo.

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