As relações das pessoas com conceitos como produção, trabalho e consumo parecem estar mesmo atravessando um contínuo, profundo e ágil processo de revisão
Consumo consciente e revisão dos padrões daquilo de que precisamos (ou achamos que precisamos) para viver não são exatamente assuntos novos. Há entidades e pessoas pensando nisso há décadas. E mesmo aqui nas nossas páginas esses são temas que vêm e vão há um bom tempo. Mas a edição deste mês da Trip (e também da Tpm, além de todas as nossas plataformas digitais, TV e rádio) quer olhar para algo com contornos um pouco mais novos e definidos.
O que se enunciava algum tempo atrás apenas como um anseio pouco concreto de pessoas mais bem-informadas e menos conformadas vem ganhando forma e superfície com velocidade e capilaridades típicas dos tempos em que vivemos. Uma espécie de contramovimento em resposta ao modelo que apostava na produção com lógica militar, extremamente competitiva e racional, em que tudo é medido mera e friamente pelo resultado financeiro e pelo crescimento em escalas avassaladoras, ainda que doentio, desordenado e profundamente desumanizante.
Claro que a crise, fruto de um dos mais inacreditáveis exemplos de desgoverno e de corrupção já registrados no mundo, pode estar funcionando como um potente catalisador do processo por aqui. Mas, bem além disso, para onde se olha já é notável a profusão de modelos novos de produção e de consumo sendo testados na prática.
Do volume respeitável de pequenos empreendedores que atuam hoje nas periferias das grandes cidades brasileiras ao êxodo dos talentos que se tornam cada dia mais refratários aos pacotes de remuneração variável e aos planos de carreira oferecidos pelas megacorporações, passando pela infinidade de novas organizações construídas em moldes recém-formulados e que atendem por nomes como economia criativa, coletivos, economia compartilhada, colaborativa e outros não menos interessantes. As relações das pessoas com conceitos como produção, trabalho e consumo parecem estar mesmo atravessando um contínuo, profundo e ágil processo de revisão. E, importante frisar, isso nada tem a ver com o desprezo pelo lucro ou com a negação da economia de mercado como a menos defeituo-sa forma encontrada para fazer funcionar grandes aglomerações humanas. Ao contrário, trata-se, isso sim, de encontrar mais equilíbrio, coerência e saúde na maneira como produzimos e consumimos.
No fundo é simples, estamos falando de entender melhor o que vamos de fato decidir fazer com o relativamente curto período de que dispomos. A ideia de trocar a vida pela sobrevivência e pelo acúmulo de coisas e relações pouco relevantes parece estar deixando rapidamente o radar de pessoas de todas as camadas da sociedade. Ao mesmo tempo em que esses movimentos carregam um ar de modernidade inegável, há também neles uma conexão direta com o passado. Um resgate de um tempo em que trabalhar, produzir e consumir eram meios para uma vida com mais sentido. Uma época em que se trabalhava (e consumia) para viver. E não o contrário.
Paulo Lima, editor
P.S.: É muito motivador ver que a maneira como produzimos a reflexão que queremos ver no mundo segue sendo percebida como relevante e digna de nota. Poucos dias antes do fechamento desta edição, nossas revistas Trip e Tpm foram agraciadas com o Prêmio Esso, que há 60 anos é a mais importante homenagem do jornalismo brasileiro. Nossas edições sobre a “vagina”, incrivelmente um tema que ainda desperta risinhos nervosos e comentários atrapalhados por aí, foram escolhidas entre centenas de trabalhos inscritos pelas mais respeitadas e poderosas publicações nacionais como as melhores de 2015 na categoria Criação Gráfica em Revista. Com este novo troféu e, claro, com a sua força imprescindível, somamos meia dúzia de prêmios Esso na casa. Uma honra que eu precisava dividir com toda a nossa equipe e com cada um de vocês que nos acompanham e que, lendo, ouvindo, assistindo e patro-cinando, entendem e fortalecem o nosso trabalho.