Há apenas três anos reclamei da pressão da sociedade para me manter jovem. Agora que completo seis décadas sou pressionado a envelhecer
POR RICARDO GUIMARÃES*
Caro Paulo,
Estou fazendo 60.
E prestando muita atenção para entender o que é ter 60. Se eu não prestar muita atenção e fi car bem concentrado na minha experiência, corro o sério risco de cair em um dos estereótipos que a sociedade me oferece para aliviar meu desconforto de não ter uma identidade social defi nida. Um dos mais sedutores eu já comentei aqui. É a pressão para se manter jovem. Não importa a maneira inteligente ou engraçada de alguém se referir ao envelhecer, eu sempre entrevejo um constrangido sorriso amarelo de desculpas por não ser jovem, como se ter muita idade fosse uma gafe social. Eu vejo esse ridículo na frase do compositor francês Daniel Auber: “Não tenho 80 anos e sim quatro vezes 20”. Acho errado transformar juventude em virtude.
Outra corrente muito cotada é negar a importância da idade. “A idade é algo que não tem importância, a não ser que você seja um queijo”, diz a atriz americana Billie Burke. É engraçado, mas não é verdade. O tempo é mestre porque nos aproxima da morte, nosso destino comum e difi cílimo de ser enfrentado por uma civilização que alimenta e festeja o sonho de controle sobre a vida. Conheço manuais de etiqueta que dizem ser indelicado falar de morte e doenças em ambientes sociais. Esse mesmo manual diz não ser elegante perguntar a idade de alguém, principalmente mulher. Foi por isso que causou tanto impacto no mundo inteiro em 94 a idéia da Natura de lançar um produto anti-rugas usando “mulheres bonitas de verdade” e mostrando suas idades reais. Era uma agressão enorme ao desejo de negar a ação do tempo sobre nós. Triste ver ainda ótimas marcas de cosméticos prometendo parar o tempo. É ingênuo, para não dizer mentiroso.
Porém mais triste que negar o tempo é se conformar ou elogiar a velhice. Existe expressão mais “piedosa” e cafona do que “melhor idade”? Isso só pode ser fruto dessa mentalidade de puxar o saco do público-alvo para vender alguma coisa para ele. É um eufemismo barato de quem não parou um segundo para entender que essa expressão sintetiza todo o preconceito que a sociedade tem para com o envelhecer.
Talvez o estereótipo mais violento e mais destruidor da auto-estima do velho seja o de “aposentado”. “Rolling Stones devem parar por causa de idade avançada.” Essa inocente manchete estava nos jornais quando a banda terminava sua última turnê em meados do ano passado. A idéia de “parar” por conta da idade é arrasadora e é isso que está por trás do aposentar-se. A aposentadoria é uma instituição, um direito adquirido por tempo de trabalho que foi uma conquista de uma época em que entender o trabalho como um castigo e como equivalente à perda do paraíso era uma unanimidade. Aposentar-se então era ganhar o bilhete de volta ao paraíso, isto é, ao não trabalhar. Foi em 1916 na Alemanha que se defi niu 65 anos como idade para aposentadoria. Um prêmio instituído em plena sociedade industrial que se torna uma cilada na sociedade do conhecimento – que, como o próprio nome diz, valoriza o saber, algo que, em tese, o velho tem bastante.
Aos 60 eu sinto uma forte e surda pressão para parar no momento em que me sinto mais entusiasmado com o meu trabalho. Digo que é uma pressão surda porque ninguém me diz para parar. A pesquisa “Idosos no Brasil”, da Anita Liberalesso (Sesc/SP), mostra a surdez dessa pressão em números: individualmente, 95% dos entrevistados de várias idades dizem não ter preconceito em relação aos idosos, mas 84% dizem que existe esse preconceito sim.
Então, quem tem preconceito? Ele está no ar. É uma expectativa social que molda comportamentos nas entrelinhas, nos entreolhares, nos entretantos não revelados.
Para agravar o mal que a aposentadoria causa ao futuro do velho, está aí o aumento de tempo médio de vida da população, que nos últimos 40 anos pulou 20, segundo o IBGE. Lembra quando eu tinha 57, que eu escrevi aqui reclamando da pressão da sociedade para eu me manter jovem? Pois é, agora eu estou com 60 e a pressão é para envelhecer.
Contraditório, mas verdade. Eu fico com NDA e prefiro a pergunta: o que é ter 60 em 2008? Deixo a pergunta e o abraço do amigo de 60,
Ricardo.
*RICARDO GUIMARÃES, 60, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é rguimaraes@trip.com.br
Caro Paulo,
Estou fazendo 60.
E prestando muita atenção para entender o que é ter 60. Se eu não prestar muita atenção e fi car bem concentrado na minha experiência, corro o sério risco de cair em um dos estereótipos que a sociedade me oferece para aliviar meu desconforto de não ter uma identidade social defi nida. Um dos mais sedutores eu já comentei aqui. É a pressão para se manter jovem. Não importa a maneira inteligente ou engraçada de alguém se referir ao envelhecer, eu sempre entrevejo um constrangido sorriso amarelo de desculpas por não ser jovem, como se ter muita idade fosse uma gafe social. Eu vejo esse ridículo na frase do compositor francês Daniel Auber: “Não tenho 80 anos e sim quatro vezes 20”. Acho errado transformar juventude em virtude.
Outra corrente muito cotada é negar a importância da idade. “A idade é algo que não tem importância, a não ser que você seja um queijo”, diz a atriz americana Billie Burke. É engraçado, mas não é verdade. O tempo é mestre porque nos aproxima da morte, nosso destino comum e difi cílimo de ser enfrentado por uma civilização que alimenta e festeja o sonho de controle sobre a vida. Conheço manuais de etiqueta que dizem ser indelicado falar de morte e doenças em ambientes sociais. Esse mesmo manual diz não ser elegante perguntar a idade de alguém, principalmente mulher. Foi por isso que causou tanto impacto no mundo inteiro em 94 a idéia da Natura de lançar um produto anti-rugas usando “mulheres bonitas de verdade” e mostrando suas idades reais. Era uma agressão enorme ao desejo de negar a ação do tempo sobre nós. Triste ver ainda ótimas marcas de cosméticos prometendo parar o tempo. É ingênuo, para não dizer mentiroso.
Porém mais triste que negar o tempo é se conformar ou elogiar a velhice. Existe expressão mais “piedosa” e cafona do que “melhor idade”? Isso só pode ser fruto dessa mentalidade de puxar o saco do público-alvo para vender alguma coisa para ele. É um eufemismo barato de quem não parou um segundo para entender que essa expressão sintetiza todo o preconceito que a sociedade tem para com o envelhecer.
Talvez o estereótipo mais violento e mais destruidor da auto-estima do velho seja o de “aposentado”. “Rolling Stones devem parar por causa de idade avançada.” Essa inocente manchete estava nos jornais quando a banda terminava sua última turnê em meados do ano passado. A idéia de “parar” por conta da idade é arrasadora e é isso que está por trás do aposentar-se. A aposentadoria é uma instituição, um direito adquirido por tempo de trabalho que foi uma conquista de uma época em que entender o trabalho como um castigo e como equivalente à perda do paraíso era uma unanimidade. Aposentar-se então era ganhar o bilhete de volta ao paraíso, isto é, ao não trabalhar. Foi em 1916 na Alemanha que se defi niu 65 anos como idade para aposentadoria. Um prêmio instituído em plena sociedade industrial que se torna uma cilada na sociedade do conhecimento – que, como o próprio nome diz, valoriza o saber, algo que, em tese, o velho tem bastante.
Aos 60 eu sinto uma forte e surda pressão para parar no momento em que me sinto mais entusiasmado com o meu trabalho. Digo que é uma pressão surda porque ninguém me diz para parar. A pesquisa “Idosos no Brasil”, da Anita Liberalesso (Sesc/SP), mostra a surdez dessa pressão em números: individualmente, 95% dos entrevistados de várias idades dizem não ter preconceito em relação aos idosos, mas 84% dizem que existe esse preconceito sim.
Então, quem tem preconceito? Ele está no ar. É uma expectativa social que molda comportamentos nas entrelinhas, nos entreolhares, nos entretantos não revelados.
Para agravar o mal que a aposentadoria causa ao futuro do velho, está aí o aumento de tempo médio de vida da população, que nos últimos 40 anos pulou 20, segundo o IBGE. Lembra quando eu tinha 57, que eu escrevi aqui reclamando da pressão da sociedade para eu me manter jovem? Pois é, agora eu estou com 60 e a pressão é para envelhecer.
Contraditório, mas verdade. Eu fico com NDA e prefiro a pergunta: o que é ter 60 em 2008? Deixo a pergunta e o abraço do amigo de 60,
Ricardo.
*RICARDO GUIMARÃES, 60, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é rguimaraes@trip.com.br