Nosso repórter excepcional tem uma aula de sedução com o professor Cauby Peixoto
Nascido no mesmo dia que Cauby Peixoto, nosso repórter excepcional tem uma aula de sedução com o "professor" para tentar entender por que ele ainda arrasa corações de homens e mulheres com sua voz de veludo e seu metrossexualismo assumido
A notícia se espalhou como um tsunami por todo o Brasil. O título: “Quando Cauby canta as garotas desmaiam”. A matéria dizia o seguinte: “Aconteceu com Frank Sinatra nos EUA o que ocorre com o moço Cauby Peixoto, agora, aqui no Brasil. É uma coisa que ninguém sabe explicar ao certo. A verdade é que, em pouco tempo, ele conseguiu um prestígio de fato vertiginoso com o público, especialmente o feminino e principalmente os brotos. Por causa de quê? Da voz ou da simpatia?
Parece que por ambas as coisas. Esta, pelo menos, é a resposta das próprias ‘fanáticas’, as fãs que correm aos auditórios e aplaudem os seus ídolos mais queridos. Dizem-no o ideal dos cantores, porque é moço e bem aparecido. Sua voz tem muita suavidade e ternura. É ouvi-lo e logo acontecem coisas nos auditórios da [rádio] Nacional ou Mayrink. Há gritos, há desmaios, há mistério em torno do moço de apenas 21 anos que parece saber atingir o máximo da sensibilidade das fãs”.
Esse texto fazia parte de uma extensa reportagem publicada no dia 29 de maio de 1954 na Revista do Rádio, uma precursora de Caras, Quem, Chiques e Famosos.
Corta para julho de 2008. No Bar Brahma (localizado na esquina da Ipiranga com a São João, imortalizada por Caetano Veloso em “Sampa”), todos os ingressos estão esgotados há semanas. A atração é a figura mitológica de Cauby Peixoto – ou o “Professor”, como é chamado pelos maiores virtuoses da MPB, bossa nova e samba-canção. A plateia é composta de famílias, grupos de senhoras, empresários de todos os matizes e alguma juventude. Cinquenta e quatro anos depois da reportagem da Revista do Rádio, o público ainda entra em delírio com a presença monumental de Cauby, que chega lentamente pela porta lateral do Bar Brahma.
Todos aplaudem, cantam e participam. A “Voz” domina o palco com seu timbre marcante e sedutor. Os hits são pedidos insistentemente, e o público se esbalda com a generosidade do crooner. Quando Cauby começa a cantar seu maior sucesso, “Conceição”, o Bar Brahma estremece. Desde então eu tentava fazer uma entrevista com essa fenomenal criatura. Depois de inúmeras tentativas, conseguimos marcar uma data antes de um dos seus shows semanais no Brahma.
Minha mãe, fanzoca de carteirinha do nosso rouxinol, sempre dizia que eu e ele havíamos nascido no mesmo dia, 10 de fevereiro. Mas ele prefere manter a idade em segredo. Na carteira de identidade, constam apenas o dia e o mês, mas o ano está apagado. Nosso encontro aconteceu no hotel Excelsior, na avenida Ipiranga, colado ao Bar Brahma. Com extrema simpatia, Cauby posou para fotografias e cantarolou muito para a equipe da Trip. E, o melhor, conseguimos destilar uma boa conversinha com o “Professor”, que muitos consideram o maior cantor nacional de todos os tempos e que se orgulha de ser o inventor do metrossexualismo à brasileira.
Você nasceu em Niterói e se criou no Rio de Janeiro. Como foi sua infância? Foi ótima, garoto de rua e tal. Eu tinha aula de canto no colégio. Hoje não se faz mais. Eu sempre cantava mais alto que os garotos.
Quando começou sua vida artística? Eu comecei aqui em São Paulo, nos anos 50. Fui chamado por um irmão, Moacir, grande pianista, que sabia que eu cantava e me chamou para fazer shows em uma boate chamada Oásis. Eu tinha apenas 16 anos, cantava escondido.
Você teve o privilégio de ser de um clã de músicos. Como é conviver com uma família que tem esse talento há várias gerações? É ótimo. Eu caí em um grupo de pessoas que cantavam, tocavam piano e violão, praticamente em uma orquestrazinha. Eu fui cantando, me educando, através de Ciro Monteiro, meu primo, que era um grande sambista. E teve também o Moacir, que me ensinava a cantar melhor... Tem o cantor quadrado, eu fui esse cantor... [cantarola uma melodia].
Mas você sempre foi assim? Não... eu fui me arredondando... [risos].
E o que é ser arredondado? É ter nuances na voz, é cantar com a melodia clara. Porque, quando o cantor não tem isso, a tendência é ficar quadrado.
Como você encaixa as novas gerações dos intérpretes nesses dois perfis, de quadrados e redondos? Eu acho que vocês, homens de imprensa, não deixam esses cantores quadrados aparecerem, a não ser quando eles fazem um escândalo. Agora o cantor romântico moderno, ele é sempre citado, é sempre homenageado na imprensa, nas revistas. Elas em geral sabem perfeitamente quem é o bom cantor.
Eu fiquei sabendo que você saiu na revista Time como o Elvis Presley brasileiro. Você tinha uma fixação pelo Elvis? Eu era garotão, né? Nessa época dançava-se rock. Eu peguei a fase. Gravei um rock.
Diz a lenda que o primeiro rock brasileiro foi gravado por você. Qual era a música? “Rock and Roll em Copacabana”, de 1957. Apareceu no cinema, fez muito sucesso, o filme tinha a Ítala Nandi. Eu cantava, e ela saía dançando o rock... era tão engraçado [risos].
Mas você era ligado no Elvis, no Little Richards, nesses grandes cantores de rock? Conhecia, sim, eles faziam muito sucesso, mas não eram meus ídolos. Eu gostava mesmo de Nat King Cole, Frank Sinatra, por aí...
Como foi o período que você passou nos EUA nos anos 50? Fui apresentado a Nat King Cole... sempre tremendo muito, era meu ídolo. Fui para Los Angeles, o Bing Crosby e o Frank Sinatra estavam gravando lá. Eu fui apresentado, e o Crosby cantou um pouquinho comigo. Gravei meu primeiro disco na América já como Ron Coby, meu nome americano.
De onde vem a influência desse seu timbre sedutor? É do Nat King Cole ou é pessoal? Deve ser pessoal, porque não estudei para isso. Às vezes toco aqui no peito [canta notas graves] e sinto a ressonância dos graves.
Diz a lenda que você é o precursor do metrossexualismo no Brasil. É verdade? É. Eu já peguei a fase das pessoas fazendo plásticas... Eu fiz três, me dei muito bem, foi um sucesso. Tem a coisa da maquiagem...
Belos anéis, boas roupas... Isso.
E quem é que cuida do seu cabelo, Cauby? Eu mesmo. Mas às vezes, quando está embaraçado, tem uma pessoa perto de casa que dá um jeitinho.
Talentoso... Você gosta de perfumes? Xi!
Como é o assédio dos seus fãs, a tietagem? Ah... eu adoro.
Nos anos 50 os fãs rasgavam as suas roupas... É. Porque o brasileiro é muito afetuoso. E eu também sou. Quando alguém vem me cumprimentar leva um abraço, um beijinho e tal.
Eu soube que o assédio dos fãs era tão intenso que você já ficou de cueca. Mas eu fiz por onde. Estava cheio de fotógrafos, ia acontecer, e um deles disse: “Tira, tira a roupa”, e eu fui tirando... ingênuo ainda.
Você fez um strip, Cauby? Fiz um strip. Depois corri até a rádio Mayrink Veiga, que ficava duas esquinas depois, lá no Rio [risos]. Foi um escândalo, né?
E como as mulheres te assediavam? Meu empresário [Di Veras] era marqueteiro. Quando apareceu a febre asiática, ele me botou na cama. Minha irmã estava no quarto do hotel e ouviu um barulho diferente. Acreditem, tinha uma garota nua embaixo da cama.
E aí? Ela foi pra cima? Acho que eu fui pra baixo [risos].
Fiquei sabendo de uma história que você teve que ir banido para Portugal... É, depois disseram que o filho era meu. Você vê como são as coisas? [Risos.]
Como foi essa história? Eu me apaixonei por uma mulher, e o namorado dela disse que ia me matar. E aí meu irmão, o Moacir, disse: “Eu te dou um dinheiro, você pega um avião e vai para Portugal”.
Você teve muitas mulheres apaixonadas por ti? Muitas, muitas mesmo.
E os homens também te cobiçam? Eles querem ser Cauby? Eu acho que sim [risos].
Tem uma passagem na sua vida que os fãs pediam para cortar seus cachos. Você dava? Dava sim.
E se o cara pegasse o seu cabelo e fosse fazer uma quizumba pra ti? Não, não. Não acreditava nessas coisas, não.
Como você lida com as novas gerações que querem conhecer Cauby Peixoto? Não é difícil, não. Basta eu cantar um repertório de músicas de sucesso que o público vai lembrar, vai aplaudir, vai gostar.
Cauby, o que é o palco para você? É tudo. Eu posso estar aborrecido, triste. No palco acaba tudo... é uma terapia.