por Ricardo Guimarães

Um livro na praça, sobre Joseph Campbell, para não se perder

Caro Paulo,

Queria recomendar o livro A Jornada do Herói. Vida e Obra de Joseph Campbell, lançado no começo do ano pela editora Ágora, por ocasião dos cem anos de nascimento do mitólogo. A cabeça de Campbell está por trás de Guerra nas Estrelas, de Matrix, de The Gratefull Dead - só para citar alguns.

O livro foi organizado pelo genial Phil Cousineau, jornalista, fotógrafo e cineasta, que reuniu entrevistas, palestras e trouxe um grupo diferente para conversar com Campbell na Califórnia: o psicanalista Stanislaw Grof, o baterista do The Doors John Densmore, a antropóloga Angeles Arrien, o poeta Robert Bly e o cineasta David Kennard. O resultado é um passeio delicioso, inspirador e instigante pelas mil e uma possibilidades que a vida nos oferece de não sermos banais.

Estou tão encantado com a forma simples e direta dos pensamentos de Campbell que resolvi sair de cena e lhe dar a palavra: "Quando seguimos a nossa bem-aventurança, e por bem-aventurança quero dizer o profundo sentimento de se estar no caminho e fazendo aquilo que nos impele a avançar a partir de nosso próprio ser; pode não ser divertido, mas é essa a nossa bem-aventurança. E também há bem-aventurança por trás do sofrimento. Se seguirmos esse chamado, portas se abrirão onde antes nem havia portas, onde não sabíamos ser possível haver portas, e onde não haveria porta para nenhuma outra pessoa. Há alguma coisa importante na integridade de uma vida. E o mundo se move para ajudá-la".

Sobre o ego: "Um dos problemas da psicanálise é, como disse Nietzsche, "toma cuidado para que ao expulsares os teus demônios não termines por expulsar a melhor coisa que há em ti". Muitos que estão mergulhados em análise profunda dão a impressão de que foram atados, e agem como tal. Não há nenhum osso ali, nada! O truque é livrar-se do ego como ditador e transformá-lo em mensageiro, em observador, colocando-o ao nosso serviço".

Degelo mitológico

Sobre a nossa época: "Vivemos hoje uma época que considero uma espécie de período terminal de geleiras da mitologia. Como se estivéssemos cercados por uma grande quantidade de detrito mitológico. As mitologias que construíram as civilizações e não funcionam mais estão por aí entulhadas ao nosso redor. Portanto, um indivíduo que coloque sobre si mesmo a tarefa de ativar sua vida imagética - a vida que brota do interior, não como resposta à informação e aos comandos exteriores -, essa pessoa pode encontrar estímulos na maravilhosa literatura que está sendo despejada nas livra-rias. Cada indivíduo tem que descobrir o que o eletriza; o que vivifica seu próprio coração e o desperta".

Sobre como enfrentar a vida: "Será que você tem energia e força para encarar a vida" Pode ser que a vida exija mais que aquilo que você deseja dar. E então você diz: "A vida é algo que não devia existir. Não vou fazer esse jogo. Vou meditar. Vou cair fora". Há três posições possíveis. Uma é "vamos lá - aceitar esse jogo e jogar até o fim". A segunda é dizer: "Absolutamente eu não quero ficar nessa briga de cães - isso acabou de vez". A terceira é a que diz: "Isso aqui é uma mistura de bem e de mal. Eu estou do lado do bem. Eu aceito o mundo com correções. E esse pode ser o jeito de que gosto".

Sobre o futuro: "O principal resultado para mim tem sido a confirmação de um pensamento ao qual fielmente me dediquei: o da unidade da raça humana, não apenas em termos biológicos, mas também na sua história espiritual, que em toda parte revelou-se sob a forma de uma única sinfonia, com seus muitos temas anunciados, desenvolvidos, amplificados, resolvidos, distorcidos e reafirmados para hoje, em um estrondo fortíssimo com todos os naipes ressoando em conjunto, avançando irresistivelmente para uma espécie de poderoso clímax, do qual emergirá o próximo grande movimento. E não vejo motivo para que, no futuro, os mesmos motivos não continuem a ressoar".

Sobre a função da música: "A música tem a função de despertar. A vida é ritmo. A arte é a organização dos ritmos. A música é uma arte fundamental que mobiliza nosso sistema da vontade. Para as pessoas que estão realmente vivas, despertar para a vida é mais importante do que comer sanduíches".

Sobre filósofos: "Sigo os filósofos só até o ponto em que os pés deles se elevam do chão".

Sobre a manipulação do ritual: "Hitler. Ele também sabia como executar um ritual. Tenho alguns amigos que estiveram num campo de concentração holandês. Quando Hitler ia pronunciar algum discurso na vizinhança, os prisioneiros eram trazidos e tinham que ficar em posição de sentido enquanto ele discursava. E um desses amigos me disse que tinha que fazer força para im-pedir que sua mão direita se levantasse e dissesse: ?Heil!?. É terrível o poder que um ritual bem elaborado tem de nos afastar de alguns centros que ultrapassam nosso controle pessoal e intencional".

Meu abraço, 

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