O mote é o deboche

Luiz Alberto Mendes: ”Quando aprendi a arte de zombar, tudo mudou”

Há uma parte de nós que parece zelar pela nossa sanidade: a nossa capacidade de gerar alegria e bom humor, apesar de todos os problemas ao redor. Quando aprendi a arte de zombar, tudo mudou. A vida ficou suave como uma mulher dormindo

Perguntado sobre o segredo da longevidade, um mestre respondeu: “Comer a metade, andar o dobro e rir o triplo”.

De verdade, ninguém conhece um método que dê 100% certo em termos de obter qualidade de vida. De alguma forma ainda permanecemos na fase dos erros e acertos. Vamos errando, aprendendo, improvisando, quebrando e nos colocando do avesso. Muita tristeza e dor e o único crime é não aprender aquilo que a vida nos ensina com o que sofremos.

Desde muito pequeno eu assimilava tudo com extrema rapidez. O novo e o inaugural era tudo o que necessitava. Só que a vida não é somente composta de surpresas e novidades. Então o conhecido se transformava em rotina e hábito, gerando angústia e depressão. Na prisão, até mais ou menos dez da manhã, era impossível conversar comigo. Respondia por grunhidos ou monossílabos, pesado pela neurose da rotina prisional.

Mas a vida não é composta somente daquilo que vai acabar nos matando. Há uma parte da existência que parece zelar pela nossa sanidade. É a nossa capacidade de gerar alegria e bom humor, apesar dos problemas ao nosso redor. Quando aprendi a arte de zombar, tudo mudou. A vida ficou suave como uma mulher dormindo. Hoje zombo de quase tudo.

Todo conhecimento que se tem é hipotético e relativo. Não há possibilidade de um conhecimento absoluto. Claro, há situações extremamente sérias e, portanto, respeitáveis. Mas zombar se tornou um método particular de recepcionar as idiossincrasias circundantes, e não me aborrecer com elas. Brinco e rio sempre que posso. Não perco a oportunidade de dar umas boas risadas. Mesmo das coisas que mais me afetam. É um humor cáustico que me esforço para que seja criativo. Creio que isso fica claro em meu texto.

Vivi momentos profundamente infelizes em minha experiência existencial. Mais de 30 anos em prisões, com certeza, não trazem alegria a ninguém. Mas, mesmo preso, em alguns momentos, fui muito feliz e vivi grandes alegrias que alimentaram minha alma de vontade de viver. A esperança de ainda restarem infinitas alegrias a ser vividas preenchia a alma, assim como o oxigênio enche os pulmões.

Poder da simpatia

Hoje, depois de nove anos em liberdade, posso até dizer que a alegria faz parte de minha vida. As pessoas gostam de estar comigo, dizem até que sou engraçado e divertido. Criar piadas, inventar pegadas irônicas e bem-humoradas, brincar, curtir, até fazer graça fazem parte da minha maneira de me relacionar com os outros. Não sendo bonito, não tendo dinheiro nem carrão, tento ser simpático. Gosto, sinto prazer em agradar pessoas.

É possível estar alegre se não houver felicidade? A alegria é independente do estado de espírito das pessoas? Não estou sempre feliz; até muito pelo contrário. Encaro as coisas de um outro modo. Felicidade para mim tem a ver com conquistas, ultrapassagens. Desafios existem aos montes, e perdemos mais do que ganhamos. Vitórias e conquistas são raras.

Mas tenho possibilidades de alegria porque estou no esforço e tenho perspectivas de ultrapassagens. Não estou infeliz. Vivo algumas tristezas (a vida nunca é como a gente quer) e algumas alegrias (as maravilhosas surpresas da vida). Acho que estou na média, vivendo razoavelmente bem. É claro que um pouco mais de conforto cairia bem, mas nada que faça falta de verdade. O inesperado sempre alimentou minha alma de humor e muitas alegrias, embora eu não seja nada otimista.

*Luiz Alberto Mendes, 60, é autor de Memórias de um sobrevivente. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com

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