Cacique Cobra Coral: um espírito que luta contra o desequilíbrio da natureza
Empenhado em “intervir nos desequilíbrios provocados pelo homem na natureza”, o espírito do velho Cacique Cobra Coral se manifesta no Brasil e faz clientes entre produtoras de shows, governos e até em casamentos reais
De: The Weather Son
Sent from iPad 3 – from Rio City Maravilhosa
Depois de segurar por mais de dez dias a chuva e o vento para a montagem e o início da Rio+20, o cacique Cobra Coral ficou muito triste com a apresentação do relatório que deve ser ratificado pelos chefes de Estado. Acionado pelo prefeito Eduardo Paes diante da previsão de chuva durante a conferência da ONU, o cacique isolou as áreas do Forte de Copacabana e do Riocentro, onde ocorria a Rio+20, e conseguiu espantar totalmente as nuvens carregadas nesses locais, fazendo uma distribuição da chuva pelo estado do Rio de Janeiro.
O remetente do e-mail “The Weather Son”, o filho do tempo, é Osmar Santos, marido da médium Adelaide Scritori. Juntos, eles são responsáveis pela Fundação Cacique Cobra Coral, criada, segundo o site oficial, “para intervir nos desequilíbrios provocados pelo homem na natureza”. Adelaide é a responsável pelo trabalho espiritual (ela prefere o termo “operações”), enquanto Osmar é “o homem do marketing”. “Eu trabalho usando uma conexão concreta, via celular, tablet e notebook, e a Adelaide opera com o cacique, conectada pelo espiritismo”, ele esclarece. A dupla contaria ainda com o auxílio de um professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), de um pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e de outros conselheiros – até o escritor Paulo Coelho já foi um deles, entre 2002 e 2004.
Nos últimos dias, o casal estava na fronteira entre Brasil e Argentina, tentando atrasar a chegada de uma frente fria na Rio+20. No antepenúltimo dia do evento, porém, choveu. O cacique errou? “Não erramos a previsão, porque não é isso que fazemos. Alteramos o tempo para atender o povo. Funcionamos como um airbag, mas cada uma das peças do carro precisa também fazer sua parte. E isso não ocorreu. Céu azul não combina com desatenção, insensibilidade e falta de compromisso dos que se acham donos deste planeta. Não passarão incólumes ao crash climático de 2047, quando a Terra não terá mais água, comida ou ar limpo”, justifica Osmar, adiantando de quebra o ano em que será o apocalipse final.
Nem um mês antes, os dois estavam espantando tempestades no Grande Prêmio de Fórmula 1 em Mônaco e no Rock in Rio Lisboa. Terminando a Rio+20, embarcariam para a edição espanhola do festival, em Madri, e de lá seguiriam para Londres, onde dariam uma forcinha na abertura da Olimpíada. São quase todos clientes de longa data. A FCCC mantém convênio com a secretaria de obras do Rio de Janeiro desde o segundo mandato de César Maia, iniciado em 2001. Réveillon, Carnaval, Jogos Pan-Americanos, visitas de Bush, Obama e do papa à cidade... Em todos esses eventos, o cacique estava lá. Desde o mesmo ano, ele também pode dizer “Rock in Rio, eu fui”. Na época, o espírito teria salvado o festival de uma chuva que acometera toda a Barra da Tijuca, com exceção da Cidade do Rock, e convertido Roberto Medina – em sua autobiografia, o idealizador do RIR escreveu: “O cacique quase faz parte da empresa”.
“Contratamos sempre que dá. É satisfação garantida. Quando não dá para mandar a chuva para outro lugar, ele avisa antes” , diz uma produtora de eventos
Já com a Inglaterra a relação é ainda mais antiga, data do inverno de 1987. Londres agonizava sob 30 graus abaixo de zero e a então primeira-ministra Margaret Thatcher pediu socorro dos brasileiros. No dia seguinte, a temperatura já chegava a tolerável um grau negativo. O jornal The Guardian apelidou os milagreiros de “interceptadores de catástrofes”. Acabaram virando queridinhos do gabinete real, a ponto de intercederem no recente casamento do príncipe William com Kate Middleton.
Convênios com órgãos públicos são gratuitos. Em troca, a fundação pede aos governos que apresentem um comprovante de tudo que fizeram para reduzir os danos ambientais. Quem são os clientes particulares ou quanto pagam, a FCCC não revela, dizendo apenas que “eles estão espalhados por 17 países diferentes”. A produtora de eventos Valeria (nome fictício), que utilizou o serviço seis vezes, revela que o preço varia entre R$ 20 mil e R$ 25 mil, dependendo do porte do evento e do tempo de antecedência da contratação.
Contrata-se, na verdade, a Corporação Tunikito, um conglomerado com mais de dez CNPJs (El Niño Administração, Nostradamus Corretora de Seguros, La Niña Metereology, TWX Capas de chuva etc.) cuja sede fica na cidade de Guarulhos, em São Paulo. Osmar explica melhor: “A contratação pode incluir uma série de bens e serviços, como boletins meteorológicos, seguros contra desastres, aluguel de veículos e de capas de chuva. Mas é natural que quem contrate a Tunikito espere uma retribuiçãozinha providencial do cacique, afastando a chuva no dia de seu evento”. A fundação seria mantida com 20% dos lucros da Tunikito.
Iniciais no bolso
Adelaide e Osmar se conheceram quando eram promotores comerciais da Clam Clube de Assistência Médica, uma empresa do Grupo Silvio Santos. “Sempre trabalhamos com vendas”, ele conta. Quando não estão atuando como “senhores do tempo”, Adelaide trabalha como corretora de imóveis de luxo, “de acima de R$ 1 milhão”; o forte de Osmar são os seguros de automóveis.
A Fundação Cacique Cobra Coral foi fundada em 1931 por Ângelo, pai de Adelaide. Ele teria sido o primeiro Scritori a receber o espírito do índio norte-americano, que antes haveria encarnado no ex-presidente Abraham Lincoln e no cientista Galileu Galilei. Adelaide incorporaria também “uma equipe de engenheiros siderais, cada um responsável por um fenômeno da natureza”, e teria o dom de prever o futuro – no site da fundação há a cópia de uma carta supostamente enviada à Casa Branca comunicando ao presidente George W. Bush sobre o atentado de 11 de setembro, um mês antes do ocorrido. Suas habilidades mediúnicas estão sendo transmitidas para Jorge, o primogênito, 33 anos, de seus três filhos, sacerdote em um centro umbandista.
Osmar e Adelaide raramente dão entrevistas. À Trip, toparam falar apenas por e-mail, pois pessoalmente, alegaram, “o Astral não permitiu”. A reclusão suscita notícias a seu respeito que nem sempre procedem. Recentemente, por exemplo, a mídia anunciou que o Cacique Cobra Coral havia sido solicitado na gravação do show de Roberto Carlos em Jerusalém. “Eles estavam lá, é verdade”, esclarece Léa, assessora de comunicação do concerto. “Mas a lazer, até porque a cidade é um deserto e não chove nunca. Eles eram convidados da produção, ficaram no mesmo hotel que a gente, porém acabaram indo embora antes do show por causa de um chamado urgente.”
Geralmente, quem vai até os eventos é Osmar. Adelaide fica em um hotel na cidade ou em algum ponto estratégico. “Ele chega e começa a mapear as dissipações das nuvens, medir a umidade relativa do ar. E não larga do laptop”, conta Valeria. Osmar, em suas palavras, é “um senhor extremamente simpático, de aproximadamente 60 anos, pele clara e rosto arredondado, parecido com um executivo de banco”. Dirige um Citroën C3 e suas camisas costumam ter as iniciais de seu nome bordadas no bolso.
Valeria trabalhou com a FCCC pela primeira vez em 2008. Era cética, até que viu a mágica acontecer. “A tempestade era tanta que não dava nem para montar a estrutura do palco. Faltando cinco minutos para o show começar, o céu abriu em cima do palco, enquanto em volta estava tudo preto ainda”, ela rememora. “Depois dessa, contratamos ele sempre que dá. É satisfação garantida. Quando não dá para mandar a chuva para outro lugar, ele avisa antes.” Após se encontrarem em diversos trabalhos, os dois viraram amigos. “Vou ter um casamento sábado que vem. Escrevi para ele perguntando se vai chover, para saber com que roupa devo ir.” A resposta ainda não havia chegado.
Créditos
Imagem principal: Abiuro