J.R. Duran: ”Os condomínios equivalem aos castelos, shoppings a palácios encantados”
As cidades planejadas surgiram nos anos 50. Belos subúrbios americanos feitos sob encomenda na prancheta e espalhados por centenas de metros de superfícies ondulantes. A primeira delas a ser comercializada se chamava Lewittown¹ e foi construída em Long Island. O que chamava a atenção era a inexistência de muros, de separações físicas construídas entre uma propriedade e outra.
Em São Paulo, no começo dos anos 70, uma das coisas mais marcantes na cidade eram as casas com muros baixos ou praticamente inexistentes. Vindo da Europa, onde os prédios se encostam - apertados - uns nos outros, me parecia uma maneira de viver privilegiada. Lembro que mesmo os prédios do centro tinham saguões abertos e interagiam com o movimento da rua.
Quarenta anos depois, não é preciso dizer, tudo mudou. Primeiro surgiram as cercas. Depois foram os muros. Com o tempo, a altura deles foi aumentando. Quando chegaram a seu ponto máximo foi a vez de aparecerem os guardas e os seguranças. Trancados em cabines (minúsculas, do tamanho de uma cabine telefônica inglesa) ou vestidos de terno escuro, embaixo de um guarda-sol. Com o passar do tempo e com a ajuda da tecnologia, as câmeras de televisão diminuíram de tamanho e começaram a se reproduzir sobre os muros. Nos últimos tempos o arame farpado se enrosca, brilhante, em volta das propriedades. Pode ser que o aparato tecnológico das câmeras e a mão de obra luxuosa do segurança sejam privilégio de quem tenha dinheiro, mas os muros e o arame farpado estão em todos os bairros.
casas-fortes
A sensação que se tem, andando pela cidade, é que ela está em um processo de medievalização. Isto é, estamos voltando a um modelo de vida que tem uma forte semelhança à maneira de viver na Idade Média. Quer ver? As casas se convertem em casas-fortes, prontas pra se defender de qualquer ataque. Os condomínios fechados são o equivalente dos castelos de antigamente, onde, depois de cruzar os portões estritamente vigiados, se pode descansar dos imprevistos da vida fora das muralhas. Os shopping centers são os palácios encantados. Os seguranças, colados aos carros de vidros blindados, são os condottieri² que escoltavam os membros da corte. E por aí vai.
O que ainda não surgiu no horizonte urbano são as torres de vigia, as atalaias. Mas, infelizmente, da maneira que as coisas andam isso não vai demorar muito a aparecer.
¹Se chamava Lewittown porque foi desenhada por William J. Lewitt, em 1954.
²Na Itália dos séculos 15 e 16, os condottieri eram forças contratadas para proteger os senhores feudais.
*J. R. Duran, 55, é fotógrafo e escritor. www.twitter.com/jotaerreduran