por Carlos Nader
Trip #115

Existem dezenas de milhões de especialistas em comunicação de massas no Brasil. Nosso colunista finge que é um deles

Tento fingir que não estou ouvindo, mas sempre que eu começo a escrever esta coluna aparece uma vozinha marota dentro da minha cabeça. E fica me dizendo baixinho: "Pra quê? Pra quê?".

Toda vez. Pra que inventar uma opinião? Pra que colocá-la no papel? Pra que lançá-la todo mês a milhares de leitores que eu nem conheço? Pra quê? Não sei, confesso. E quando depois eu releio as minhas opiniões num texto destes aqui, fica ululante. As opiniões não são minhas. São quase minhas, vá lá. São de alguém parecido comigo. São de um ator fazendo o papel de mim. Ou são de mim, fazendo o papel de um autor.

Talvez o menino esteja em crise. Se eu fosse um Gilberto Dimenstein, um desses paladinos das opiniões diárias, corretas, louváveis, espalhadas por todos os veículos de comunicação, eu evitaria o ridículo de ficar falando de vozinha num espaço público. Mas eu não sou. Não é que eu não goste de opiniões. Pelo contrário.

Apesar de desconfiar de todas, inclusive das minhas, adoro ouvi-las carregadas pelos cátodos de uma tela eletrônica ou filtradas pela celulose do jornal. Adoro. Sou fundamentalmente um espectador. O que mais gosto de fazer na vida é assistir. À própria vida, mediada ou imediata. Em vez de estar aqui inventando estória, eu preferia mil vezes estar na padaria da esquina observando alguém pedir o cafezinho. Ou estar deitado no sofá, de papo para o ar, nem que fosse assistindo Sabadaço, do Gilberto Barros.

Mas deixa eu deixar uma coisa bem clara. Quem está dizendo isso tudo, aqui, não sou eu. É o ator. É o cara que pensa no público-alvo. Que tenta escrever simples. Chamar atenção. Construir as opiniões. Esconder as próprias dúvidas. Encaixar seu pocket show num espaço definido de 4 000 caracteres. Fingida-mente ingênuo. Rendido humildemente àquela lição do Chacrinha que diz que mídia é para confundir.

Dúvida customizada

Aproveitando este acesso de sinceridade, deixa eu deixar outra coisa bem clara. O "pra quê" da vozinha não tem nada de existencial. Não é parente nem distante daquele "ser ou não ser" básico que pode acompanhar qualquer ato humano, já que ninguém sabe mesmo o que está fazendo na vida. O "pra quê" aqui não poderia ser mais específico. Customizado. É esta coluna. E as outras colunas. Vozinha nenhuma tem vez dentro da minha cabeça quando eu escrevo um e-mail para um amigo. Ou mesmo um roteiro de filme. Comunicação é fundamental.

Então por que o pra quê? De onde vem este meu mal-estar profissional? Algo me diz que tem a ver com a maneira ainda obscura pela qual o peixe das opiniões mediadas é vendido. Tem a ver com o jornal que o embrulha. Dos espetáculos narrativos, aqueles que decidimos chamar de "mídia" têm o insuspeitado costume de venderem-se como "reais". Reais no grau máximo da realidade.

O que aparece na mídia é supostamente a-vida-como-ela-é. Não é? Diferente do cinema ou da literatura, as estórias do mundo que se estampam em telas de telejornais ou páginas de revista são vendidas e compradas como se fossem o próprio mundo. E são? Talvez até sejam, mas depois, às vezes, quando acabam tornando o mundo à sua imagem e semelhança.

Se a vida um dia imitou a arte, hoje ela imita a notícia. A notícia sobre a própria vida. E no meio desse comboio de corda, dessa espiral acelerada, estamos nós, fingidores, confusos e bem informados. Nós? É, amigo da Rede Globo. Nós. Não sou só eu não. Se há milhões de técnicos de futebol no Brasil, há dezenas de milhões de especialistas em comunicação de massas. Que conhecem bem uma regra anterior à própria comunicação de massas. Quanto maior o público, maior o quociente de atuação.

Porque quando aparecemos na mídia, eu ou você, escrevendo uma coluna, dando entrevista a um repórter de rua ou sendo fotografados numa festa, temos a total consciência, mesmo que intuitiva, de que é necessário atuar. Em algum grau. Fingir. Por que não? E fingimos. Fingimos que não estamos fingindo.

Estou colocando em riste o meu dedo moral contra a hipocrisia das relações midiáticas? Não. Nem eu, nem o ator. Fingir é bom. Fingir que não estamos fingindo é bom também. Nós só achamos que saber disso é melhor ainda.

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