Vale quanto custa?

por Carol Ito
Trip #280

O fenômeno das academias low-cost botou muita gente pra suar. O povo comemora, os professores de educação física se preocupam e a Trip investiga como não se quebrar nem no banco nem na esteira

O Brasil vive um fenômeno comportamental no mundo fitness: as academias low-cost, ou, em português claro, de baixo custo. Os preços que antes assustavam, e muitas vezes cancelavam os planos de qualquer um que precisasse fazer contas para se exercitar, de repente se tornaram convidativos, a ponto de até gente que sempre correu das esteiras começar a se matricular. A boa recepção do mercado resultou numa impressionante expansão do modelo de negócio, que completa uma década em 2019. Em nove anos, nos tornamos o segundo país em número de academias, saltando de 14 mil para 34 mil, de acordo com dados da organização americana IHRSA (The International Health, Racquet and Sportsclub Association).

No modelo low-cost, importado dos Estados Unidos, o valor das mensalidades varia de R$ 60 a R$ 100 e o cliente tem a possibilidade de acessar seu treino em qualquer unidade que escolher; essas redes têm filiais espalhadas pela região central e, diferentemente das academias de luxo, também pela periferia. Esse formato também ajuda no acesso de quem precisa percorrer grandes distâncias no dia a dia. O diretor de cinema paulistano Rogério Gonçalves, 31, por exemplo, mantém sua frequência transitando entre unidades da rede Smart Fit tanto em Taboão da Serra, município da grande São Paulo, onde mora, quanto na região central da capital paulista, que frequenta por conta de compromissos pessoais e de trabalho. “Pratico atividade física há 15 anos e lembro que antes era mais caro frequentar uma academia. Quando surgiram as low-cost, foi natural pra mim querer o preço mais baixo, vendo que o serviço era de qualidade”, diz.

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Kyra Gracie, multicampeã de jiu-jítsu e dona da academia Gracie Kore, no Rio de Janeiro, em que oferece aulas da arte marcial que consagrou sua família, entende o fenômeno como importante deste ponto de vista do acesso. “É bom para quem não pode arcar com o acompanhamento exclusivo de um professor e quer criar uma rotina de exercício, que é o mais importante”, diz.

“No início, o preço era R$ 49”, lembra Edgard Corona, dono da Smart Fit, sobre o valor da mensalidade nas primeiras unidades que abriu em 2009 – a rede é hoje a maior de academias low-cost na América Latina, com mais de 600 unidades. Corona não era novato no segmento e o insight veio de uma conversa que teve com funcionárias da cafeteria de uma das unidades da Bio Ritmo, rede de academias de luxo também fundada por ele. “Elas me perguntaram quando eu iria abrir uma unidade perto da casa delas, na periferia, e disseram quanto poderiam pagar. A renda era baixa e a expectativa, alta. Pensei: ‘Como criar um produto que atenda esse público?’.”

À iniciativa do empresário fitness, somaram-se outras com propostas parecidas em todo o Brasil. Em Salvador, o segmento recebeu em 2012 a Selfit, que cresceu pelo Nordeste e Sudeste e hoje possui 40 unidades em 13 estados, com mensalidades a partir de 
R$ 60. Além da musculação, a rede oferece aulas de dança, lutas e circuitos. “Buscamos fugir da nomenclatura low-cost. Estamos no segmento de value for money, que significa uma entrega de valor a um preço competitivo. O foco é mais no bem-estar dos alunos do que na competição e na exigência de um corpo no padrão”, explica Leonardo Pereira, sócio da rede.

Devagar, devagarinho

Fazer exercícios aparece no inconsciente coletivo como sinônimo de saúde. E claro que é importante não ser sedentário, mas não é tão simples assim. A aparência física não deve ser parâmetro de vida saudável, porque emagrecer e ganhar músculos nem sempre é sinônimo de benefícios a longo prazo. Quem alerta é Nuno Cobra Jr., preparador físico que, entre consultorias e palestras, atua junto a atletas de alta performance. “A indústria fitness, focada na estética, ainda vai existir por um tempo, mas logo vão aparecer outras indústrias, como a do wellness, que é focada na saúde, em terapias alternativas em práticas mais ligadas ao autoconhecimento do corpo e da mente”, acredita. Nuno cita a ioga como um exemplo de atividade que já cresceu muito nos últimos anos, embora ainda seja difícil encontrar aulas por um preço acessível no Brasil.

A médica anestesiologista Rosane Di Giuseppe, 60, conta que começou a se exercitar pensando na prevenção de doenças, ao contrário do grande número de pessoas que passa a malhar para se sentir melhor em frente ao espelho. “Tinha asco de academia porque achava que todo mundo ia ficar olhando, tem aqueles espelhos, gente admirando os músculos. Em 2016, entrei num processo de reeducação alimentar, perdi peso, e o nutricionista disse que precisava ganhar massa muscular. Pensei: ‘E agora?’”, conta.

Na busca por um ambiente menos hostil para malhar, Rosane se surpreendeu com a diversidade que encontrou na academia que frequenta em Moema, zona sul de São Paulo, perto de sua casa. “Tem marombeiro, gente fora do peso, já vi até um senhor com cateter de oxigênio pra fazer o treino dele, tranquilo.” Hoje, ela não tem mais receio nem de marombeiro nem do espelho. “Tô com o corpinho em ordem, se precisar botar um biquíni, estamos aí”, brinca. “Existe esse medo de ficar velha, mas eu tô num movimento contrário. Comecei a me exercitar, deixei meu cabelo branco, é libertador”, conta ela, que também prefere a bike ao carro em seu dia a dia.

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Ligiane Camilo, 41, mãe de quatro filhos e dona de uma pequena loja de sapatos numa galeria do centro de São Paulo, inverte a equação inicial de Rosane. Embora diga que foi malhar pela saúde, não esconde que sua principal busca era realmente estética. “Se alguém que usava calça 40 tá usando 44 é porque alguma coisa cresceu. Decidi malhar porque isso não me pertence”, brinca. “Acho que tô muito bem pra minha idade, com quatro filhos, os exames todos normais. Mas eu tava muito acomodada, mesmo, fico sentada o dia inteiro.”

Os excessos na busca por resultados estéticos são a principal preocupação dos profissionais da área de educação física a respeito desse modelo, principalmente pela total independência que ele dá ao praticante. Para reduzir custos, as academias low-cost costumam automatizar a maioria dos serviços, dispensando a necessidade de um profissional que acompanhe os treinos de perto. “Nossa inteligência artificial monta o treino de acordo com as informações passadas pelo cliente, o professor não perde mais tempo com isso”, conta Edgard, que faz uma ressalva sobre a falta de um atendimento especializado na Smart Fit. “Tem um botão em que a pessoa pode chamar um instrutor para tirar dúvidas. Nenhum cliente nosso fica sem assistência num tempo médio de 15 segundos.”

O serviço, porém, não parece suficiente para tranquilizar quem trabalha com o corpo. Para eles, um instrutor que se limita a, quando consultado, esclarecer as dúvidas dos clientes, que chegam a ser centenas nos horários de pico, não ameniza o risco de lesões e problemas de saúde. “As academias desse tipo terem excluído o professor causou uma indignação no Conselho Federal de Educação Física”, conta Nuno. “É claro que não dá para generalizar, mas acaba sendo uma ‘fast-food’ da atividade física. É low-cost a que custo?”

Carlos Cintra, personal trainer especializado em fisiologia do exercício, que atua na área há 22 anos, reconhece a importância da popularização do acesso às academias, mas também enxerga o modelo com cautela. “Numa condição ideal, um professor deveria atender no máximo 13 alunos e não é o que acontece nas low-cost, principalmente em horário de pico. Já presenciei quase 200 alunos sendo atendidos por dois professores”, relata. Kyra Gracie concorda e compara com as aulas de arte marcial de sua escola. “Para a aula infantil, trabalhamos com no máximo 15 alunos e, na adulta, com 25 alunos.”

Os resultados, para serem positivos esteticamente e benéficos à saúde, dependem da consciência corporal e dos limites físicos. “Só um bom profissional de educação física consegue entender quem você é e como pode melhorar dentro das suas limitações. Muitas vezes, o processo envolve mudanças que vão além do exercício, como sono e alimentação”, diz Cintra. Rosane, por ser da área médica e ter estudado muito sobre como fazer musculação da maneira correta, se sentiu confortável para montar o próprio treino. “Sei que tenho que focar certos músculos, me concentrar para não ter lesão. Faço tudo sozinha e algumas vezes me dão uma ajuda. Prefiro assim.”

Close certo

Mesmo com o fenômeno das academias 
low-cost, o Brasil ainda lida com uma grande porcentagem de pessoas sedentárias – são 47%, de acordo com relatório da OMS (Organização Mundial da Saúde), divulgado este ano. Assim, as academias que pipocam a cada esquina com seus equipamentos de última geração podem ser vistas como uma oportunidade para que as pessoas se exercitem mais, mas não a qualquer custo.

Se a busca por uma melhor saúde física não pode acabar com a saúde financeira, é importante ao menos se preparar adequadamente para não acabar quebrado. “Quem está numa low-cost precisa ler mais, se educar, saber o que é um bom plano de exercício”, aconselha Cintra, que enfatiza a importância de consultar a origem das informações em meio à profusão de conteúdos na internet. “Você vai procurar um canal fitness ou as recomendações sobre exercício físico da Sociedade Brasileira de Cardiologia? É preciso refletir sobre isso”, exemplifica. Para Nuno, o caminho é se exercitar sem exageros, respeitar o próprio corpo e buscar atividades equilibradas e prazerosas, além da musculação, como capoeira e dança, por exemplo.

E os dois concordam que, em qualquer atividade física, mente e corpo precisam se alinhar em torno dos objetivos que, muitas vezes, não são os mesmos estampados nas capas de revistas e canais de blogueiros fitness na internet. Saúde e estética estão muito além dos músculos e da barriga negativa.

Créditos

Imagem principal: Jozzuu

Fotos Jozzuu

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