O dia em que Salvador quebrou

por Caio Ferretti
Trip #165

Um swell de ondas perfeitas de 2,5m invadiu as prai­as do Farol de Itapuã e de Stella Maris

No dia 1o de março de 2008, Salvador viveu seus dias de Havaí. Um swell de ondas perfeitas invadiu as prai­as do Farol de Itapuã e de Stella Maris, produzindo tubos de até 2,5 m de altura. A Trip foi atrás dos surfistas que estiveram lá para dar seus depoimentos sobre aquele sábado histórico 
por Caio Ferretti

 

A imagem era perfeita. Quem ficava frente a frente com aquele mar experimentava uma mistura de sensações. Pri­meiro excitação – porque uma seqüência de ondas tubulares com até 2,5 m quebrava bem ali, começando em uma ponta da praia e percorrendo a extensão inteira da areia para só se fechar na outra ponta. Depois medo – porque o fundo cheio de pedras do mar tornava perigoso um drop sem o equipamento ou a habilidade exigidos. Mas não dava pra perder aquela oportunidade. O jeito era se jogar na água e dropar uma onda atrás da outra. A descrição é típica de um dia de surf em lugares já famosos pela qualidade das ondas, como Havaí ou Indonésia, mas aconteceu bem mais perto de nós –
e num lugar onde pouca gente imaginava que pudesse ocorrer: Salvador, na Bahia. Mais especificamente nas praias
do Farol de Itapuã e de Stella Maris.

Ondas milagrosas
“Eram ondas que eu, depois de 20 anos de surf na Bahia, não imaginava que quebravam daquele jeito ali”, confessou à Trip o surfista Armando Daltro, campeão mundial do WQS no ano de 2000. Mas quebraram. Culpa de um swell que bateu
no litoral baiano e durou ao todo quatro dias. Começou em uma quinta-feira, dia 28 de fevereiro, e terminou somente no domingo, dia 2 de março. Outra raridade. “Salvador nunca dá dois dias de ondas com o mesmo tamanho”, disse Armando. “Na sexta-feira já tinha neguinho comentando que o Farol
de Itapuã tinha virado Pipeline”, completou. Nem mesmo a previsão de ondas apostava em tantos dias de mar bom. E, justamente quando os sites da internet apontavam para uma baixa, foi no sábado que veio o ápice.
Se nos dias anteriores os baianos já estavam adorando o mar com 1,5 m, 2 m, não acreditaram quando chegaram à praia no sábado de manhã e viram tubos de até 2,5 m. “Foi o swell mais perfeito que já presenciei no litoral baiano. Pode ter certeza de que vai ficar gravado na memória de muita gente”, testemunhou o surfista e jornalista João Carlos Costa da Silva. “Os comentários sobre aquele sábado rolam todos os dias aqui em Salvador.” Quem teve coragem de entrar no mar entubou várias ondas. Quem não teve ficou feliz só por pre­senciar o momento. A Trip foi atrás de cinco surfistas que testemunharam o sábado lendário para saber exatamente como tudo aconteceu.
Eduardo Sorensen, surfista e fotógra­fo, no Farol de Itapuã
“No sábado, ao chegar ao Farol, vi um verdadeiro espe­tá­culo da natureza. Logo que chegamos Maurício Abubakir e Armando Daltro entraram na água. Sabíamos que seria um show de tubos. As séries vinham com ondas grandes e perfeitas, com 2 a 2,5 m de altura, todas tubulares. Decidi não cair lá porque estava com uma prancha de 6 pés e sabia que o equipamento correto seria essencial para esse dia. Surfar com uma prancha pequena é pedir para não conseguir dropar na hora certa e ser arremessado lá de cima em direção às pedras do pico. Mesmo sem ter surfado aquelas on­das, me sinto honrado por ter presenciado aquele espetáculo. Que venha o próximo.”
Jocimar Moura, surfista e fotógrafo, no Farol de Itapuã
“Quando eu e o Armando Daltro chegamos à praia, às 5h15 da manhã daquele dia, ainda estava escuro. Mandinho só tinha levado uma prancha 6’1 e um leash fino, mas, ao perceber uma série muito grande quebrar na arrebentação, logo pegou sua prancha e se jogou no mar. Eu fiquei meio assustado, deu logo uma dor na barriga e fiquei na praia esperando o dia clarear mais. Peguei a máquina e fui foto­gra­far, mas não demorei muito e fui aproveitar aquelas inesque­cíveis ondas. A notícia se espalhou e, de repente, o outside estava crowd. Mas, com certeza, na areia o crowd era bem maior. E, apesar de morar a 100 km de Salvador, nesse dia graças a Deus eu estava lá. Tudo de bom.”
JoÃo Carlos Costa da Silva, surfista e jornalista, em Stella Maris
“No sábado (1/3), quando a previsão era para o swell perder força, subiu geral. Antes de ir pra Stella Maris,
passei no Farol. Logo na primeira onda da série, Armando Daltro completou um belo tubo pra esquerda numa bomba de 3 m. Foi bastante aplaudido pelo público na areia. Parti para a praia de Stella Maris e a primeira visão que tive quando parei o carro foi uma série quebrando perfeita, parecida com as ondas de J-Bay, na Áfri­ca do Sul. Todos  só queriam entubar, ninguém arriscava qualquer outra manobra a não ser ficar o máximo possível dentro dos canudos que percorriam toda a praia.”


Marco Antônio Fernandez, surfista, em Stella Maris
“Na quinta-feira (28/2), o mar estava inacreditável. Água cristalina, altos tubos, uma direita perfeita que vinha lá de fora do coral do Massacre e se estendia até a beirinha de Stella. Eram tubos e mais tubos, parecia até que não era aqui na Bahia. Estava correndo o Circuito Brasileiro Amador e esse swell vai deixar esse campeonato marcado na história do circuito. Um swell tão bom que rolou onda nos três dias de competição, principalmente no sábado (1/3). Foi um show de surf. Pra mim, então, foi me­lhor ainda, pois, além de surfar altas ondas em casa, pude vencer a 1ª etapa do circuito na categoria Open.”
Armando Daltro, surfista, no Farol de Itapuã
“No sábado, acordei às 4h30 da manhã pra ir ao Farol. Quando eu vi o volume das espumas pensei: o mar não baixou, ainda vai ter onda hoje. Fui o primeiro a entrar, com um leash fino, porque achava que o mar iria baixar. Quando cheguei ao outside percebi que as ondas já es­tavam até maiores, dando uns oito pés, completamente perfeitas e alinhadas. Eu já viajei o mundo inteiro e realmente naquele dia o Farol de Itapuã não deveu a onda ne­nhuma em termos de perfeição. Posso dizer que peguei uns 15 tubos muito bons mesmo, de padrão internacional, de entrar no seco e sair no seco. Foi delírio.”

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