O BRASIL DE CHICO E VIK MUNIZ

por Redação

Das margens enlameadas das grandes capitais brasileiras, à consagração

Chico Science tem muito em comum com Vik Muniz. Nascidos na mesma época, ambos conseguiram emergir dos cenários mais inóspitos, das margens enlameadas das grandes capitais brasileiras, à consagração; em proporção que os críticos concordam em rotular de internacional. Vik teve mais sorte. Comemora, em breve, 40 anos ao mesmo tempo em que abre exposição exclusiva de seus trabalhos no Whitney Museum de Nova York, um dos mais respeitados museus do mundo. Em seguida, Vik chega com duas mostras não menos consagradoras: mês que vem, no MAM do Rio de Janeiro e, em junho, no MAM de São Paulo - terra de onde saiu há dezessete anos sem dinheiro ou perspectivas. Por sua vez, de outro plano, Chico assiste às homenagens que lembram os quatro anos de sua morte, num acidente besta no trajeto Recife-Olinda; morte que pode ser resumida da mesma forma que sua vida: uma batida forte e definitiva. Chico e Vik são edições contemporâneas de histórias que se repetem desde sempre no Brasil. Talentos individuais de tal forma brilhantes que se levantam diante das mais incríveis forças contrárias, acabando por seduzir e encantar o mundo inteiro. Uma metáfora insuperável para o próprio País. Vik deixou Pirituba, periferia de São Paulo, movido por uma única certeza: a de que não chegaria nem perto do que a vida lhe reservara, ficando onde estava. Por mais que tivesse conquistado um lifestyle bem mais confortável do que os pais humildes poderiam proporcionar, não era exatamente conforto material que buscava; mas nada menos que todo ser humano deveria procurar nesta imensão: a realização plena de seu potencial. Restos de macarronadaChico fez o mesmo caminho. Era como se conhecesse o significado da definição que Vik costuma dar para arte: a habilidade de olhar para uma coisa e enxergar outra. Chico olhou para o mangue e viu vida. Uma vida especial, que pode parecer feia e suja na primeira olhada, mas que revela personalidade e força ainda mais emocionantes pela própria confrontação com o lugar de onde saíram. Chico teve menos tempo que Vik. Mesmo assim, antes de morrer, chegou a ver o mundo começar a se curvar, diante do ritmo, do visual, das letras, da emoção nova que, sem barreiras, seu som provocava em gente de todo tipo. Algo que dispensa explicação, que se coloca dois metros acima da crítica. Bem onde fica o coração. Vik, que felizmente está vivendo para curtir a reverberação de seu trabalho, experimenta sensação parecida, em dose ainda mais forte, por mera questão de tempo. Não são as páginas inteiras do New York Times, nem as exposições nos museus mais importantes do mundo, nem mesmo o reconhecimento em sua terra que chega atrasado, mas em grande medida. Falo da sensação de ver seus desenhos com chocolate, suas obras com restos de macarronada, seus incríveis trabalhos com poeira, cabelos e células mortas colhidas nos aspiradores de pó de um museu nova-iorquino reafirmarem de forma inquestionável a força do Brasil; uma terra que deveria olhar com mais interesse para sua vocação autodidata, para sua irresistível vocação de arlequim, fazendo rir e chorar com palhaçadas misturadas às mais sérias emoções, para sua inquestionável capacidade de transformar lixo em ouro: para sua incorrigível vocação para a felicidade. Por mais que boa parte do mundo pareça conspirar contra. Talvez essa seja a principal contribuição de Vik e Chico ao Brasil. Ensinar, com suas artes, que não precisamos do aval de outros povos para entender e valorizar o que temos de melhor. Mais ainda: que o modelo ideal a seguir, vagando meio sem esperança, pode estar hoje em algum lugar entre Pirituba e Recife.
fechar