O anônimo célebre

por Redação

Trecho inédito do novo livro de Loyola Brandão

Como ser famoso, partindo do anonimato absoluto?

O mais recente romance de Ignácio de Loyola Brandão, O Anônimo Célebre (Global Editora, 200 págs., preço não divulgado), discute essa questão detonando de maneira sarcástica, impiedosa e às vezes cruel o mundo das celebridades e dos loucos pela fama.

Narrado do ponto de vista de um ator que precisa se manter em evidência a qualquer custo, o romance retoma as experiências formais de livros impactantes como Zero, de 1975. Leia abaixo um trecho inédito do romance, que será lançado no Brasil até o fim de agosto.

Freqüentar sem ser ninguém

por Ignácio de Loyola Brandão*

Meu Assessor de Mailings uniu-se ao Assessor de Convites a Ser Disputados. Convoquei para uma reunião, estava irritado:
- Tantas festas! As revistas noticiam e não estou recebendo convites. O que está acontecendo? Como é que vou freqüentar tudo?
- Tudo?
- Tudo! Não me interessa se é a inauguração da lanchonete de Vila Aricanduva ou do Shopping Internacional de Miami que os brasileiros estão montando. Onde estão os convites?
- Estamos trabalhando. Não é fácil.
- Trabalhando? Quero ver. Tragam relatórios do que fazem. Do que é preciso fazer. Mostrem o caminho das pedras.

Preciso tomar cuidado, uso expressões de quem não está nada plugado. Depois de meia hora, me deram os planos.

Subornar uma promoter. Se ela aceitar dinheiro, tudo bem. Se não, rodeá-la com flores, presentes, bombons, cartões simpáticos, telefonemas, jantares, almoços, viagens, diárias de hotel.

Transar com uma secretária disposta a colocar seu nome em um ou dois mailings. Duro é o primeiro.

Freqüentar eventos que dispensem convites. Se apresentar, levar cartões de visita diferentes. Como empresário, levantador de fundos para promoções culturais, advisor, conselheiro financeiro, milhares de coisas se podem escrever em um cartão.

Cartão de bom gosto. Algum designer há de fazer um. Impossível não se conhecer ao menos um diretor de arte. Faça um a mão, originalidade pode dar dividendos.
Mandar champanhe para um ator que estréia uma peça. Visitá-lo nos bastidores. Apanhar seu telefone prometendo qualquer coisa.

Ir aos desfiles de moda, sentar-se em lugar errado. Fingir que seu número é aquele, puxar conversas, ser gentil, dar o cartão, pegar. Não ser muito espaçoso. Revelar-se um não chato, um não inconveniente, mostrar-se levemente fora de lugar, intimidado. Mulheres gostam do tipo. Nem todas, cuidado.

Fazer um empréstimo, comprar umas roupas numa liquidação Daslu, na VR, no Armani, Hugo Boss.

Descolar um alfaiate que faça boas roupas. Ir aos bairros, a profissão ainda existe na periferia, nas galerias da rua Augusta.

Freqüentar restaurantes. Ficar perto de um célebre, ler um texto em voz alta. Digitar qualquer texto de um grande autor, fingir que está atento, falar em voz alta umas frases boas. Atrair a atenção.

Pedir uma bebida estranha no bar, quando estiver perto de um jornalista. Dar a receita, decorada. Quando o jornalista pedir o nome, faça-se low profile: Não é preciso, faço pelo prazer. Descobrir se o jornalista freqüenta o mesmo lugar, aparecer incidentalmente.

Insistir com os promoters. Ser chato, pentelho. Um dia, para se livrar, um vai te dar um convite.

Ficar de olho nas colunas sociais. Selecionar eventos. Aparecer, fingir que perdeu o convite. Dar nome na lista da porta. Mostrar-se decepcionado. Dizer: vim do Rio de Janeiro, de Salvador, de Aracaju, de Novo Hamburgo só para essa festa. Mostrar-se desolado, ficar fumando um cigarro. O porteiro acaba tendo compaixão. Paciência. Tentar subornar seguranças, porteiros.

Fazer um empréstimo, oferecer um jantar a todos os promoters, os grandes e os bregas, os periféricos e os que contam. Inventar um plano, um projeto, algo que vai se passar, ser extremamente simpático, afável, inteligente, discreto quando necessário. Alguém será conquistado e o nome entra para o mailing.

Descobrir gráficas que falsificam convites.

Descolar cambistas de convites roubados. Existem vários, como os traficantes de drogas, os antigos doleiros ou contrabandistas de uísque...

*Ignácio de Loyola Brandão é escritor - escreveu Não Verás País Nenhum e O Homem que Odiava a Segunda-feira, entre outros - e jornalista: dirige a revista Vogue e escreve uma coluna no jornal O Estado de S.Paulo

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