Combater a pedofilia é crucial, mas essa bandeira tem sido usada para outros interesses
Existe uma parte triste da “revolução” sexual trazida pela internet: a pedofilia. Ela deve ser condenada e combatida com veemência. Mas o ponto deste artigo é outro. Combater a pedofilia é crucial, mas essa bandeira tem sido cada vez mais apropriada por pessoas que querem avançar outros interesses que nada têm a ver com a proteção de crianças e adolescentes. Esse é hoje um fenômeno brasileiro e mundial.
Por aqui um exemplo é a chamada “Lei Azeredo” (PL 84/99), que ficou assim conhecida por causa de seu principal defensor, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). Ela foi vendida à sociedade brasileira como uma lei de combate à pedofilia. Tramitou ao mesmo tempo que a Lei 11.829, resultado dos trabalhos da CPI da Pedofilia. Foi inclusive levada a votação junto com ela. Com um pequeno problema: a Lei Azeredo não trata de pedofilia.
Trata sim de uma ampla criminalização da rede, incluindo condutas cotidianas. Por exemplo, se a lei for aprovada, quem baixar músicas de um iPod para o próprio computador, mesmo que adquiridas legalmente, ficaria sujeito a pena de até três anos de prisão. O mesmo para quem desbloqueasse um celular. E assim por diante (dá para saber mais aqui).
Aproveitando a comoção gerada pelo tema da pedofilia, a Lei Azeredo acabou aprovada pelo Senado. Quando a sociedade brasileira percebeu, houve grande reação: uma única petição reuniu 158 mil assinaturas contrárias ao projeto, que desde então vem sendo acusado de “AI-5 Digital”, dentre outros termos fortes. O texto encontra-se agora na Câmara, aguardando votação. A resistência continua. Mas tudo poderia ter sido evitado se a lei tivesse tramitado por seus próprios méritos.
Gato por lebre
Na Europa, acontece algo semelhante. O site Smile29.eu faz campanha para aprovação de nova legislação de combate à pedofilia. Só que sorrateiramente foram inseridos artigos obrigando a guarda em massa de dados dos usuários, inclusive de buscas no Google e outros. Adeus privacidade e alô vigilantismo. Mas a manobra foi descoberta e agora surge o consenso de que a proposta viola os direitos civis europeus.
É uma pena, mas a tendência de usar a pedofilia para justificar outros interesses continua. É claro que há organizações sérias de combate à pedofilia, que inclusive se posicionam contrárias à Lei Azeredo. Mas está ficando comum ver o mau uso político da bandeira. Com isso todos perdem. O combate à pedofilia vai ficando desacreditado e a sociedade vai comprando gato por lebre.
*Ronaldo Lemos, 33, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br