Novos Paulistanos

por Millos Kaiser
Trip #223

São Paulo é, disparado, o estado brasileiro que mais recebe imigrantes. Conheça alguns deles

De acordo com o IBGE, o número de estrangeiros vivendo no Brasil quase duplicou entre 2000 e 2010. São Paulo é, disparado, o estado brasileiro que mais recebe imigrantes. São executivos importados por megacorporações, refugiados africanos correndo de guerras e perseguições étnicas, hipsters europeus em busca da “próxima Berlim”, latinos em busca de trabalho etc. Diga “olá” para seus novos vizinhos

Quando a seca atingiu a província do Congo onde morava, Jean partiu, com outros agricultores, para a cidade de Goma. Iam comprar alimentos para revender na volta para casa. Dormiam todos tranquilos quando uma das várias milícias que atuam no país tomou a região de assalto e invadiu a residência em que estavam. Ordenaram a um homem que estava ao lado de Jean que entregasse os pertences. Ele negou. Foi morto com um tiro.

Um dos membros do esquadrão vinha da mesma província de Jean e, sensibilizado, resolveu ajudar o conterrâneo a fugir para a capital, Kinshasa. Jean havia “visto coisas demais” e corria risco de vida. Lá, um primo rico comprou sua passagem para o Brasil. Não deu nem para Jean se despedir da mulher e dos seis filhos. Em 16 de dezembro de 2012, aterrissava no aeroporto de Guarulhos.

 

Jean havia "Visto coisas demais" e corria risco de vida

 

Jean está instalado na Casa do Migrante, associação católica que oferece moradia para estrangeiros por até cinco meses, além de auxiliar na busca por emprego e na regularização da papelada. Falta um mês para seu tempo de permanência se esgotar. O devir é uma incógnita. “Não tenho opção. Não tenho dinheiro para ir para qualquer outro lugar”, lamenta. “Mas gosto daqui. Só acho muito estranho as pessoas não se darem bom-dia, não sorrirem umas para as outras só porque não se conhecem.”

Francesca é exemplo de que aquela velha história do brasileiro que vai para o exterior “dar certo” se inverteu, pelo menos em certos casos. Depois de morar em Londres, Escócia, Noruega, Egito e Itália, foi no Brasil que a jovem inglesa prosperou. Desde que desembarcou em São Paulo, dois anos atrás, não parou um segundo. Criou um disputado workshop de criatividade, chamado Mesa & Cadeira. Fundou o estúdio multidisciplinar Todos, que, entre outras coisas, produz o festival indie Meca, no sul do país. E ainda está para lançar uma marca própria de açúcar (“Percebi que os brasileiros sempre deixam metade do pacotinho de açúcar na mesa. Resolvi então fazer um em tamanho menor”) e uma linha de produtos sobre o Rio de Janeiro para turistas.

“Na minha vida, não há diferença entre trabalho e diversão. E São Paulo é a única cidade que conheço que permite levar uma vida assim”, diz, já tirando de letra as concordâncias verbais do português. “Só aqui posso jantar à meia-noite, almoçar às 16 horas e trabalhar com um monte de coisas, em vez de uma só. Nem em Londres conseguia viver assim.”

 

"As pessoas daqui fazem tudo valer a pena. Tem muita gente querendo fazer e acontecer"

 

Francesca migrou por causa de um namorado brasileiro. O relacionamento acabou. Mas ela ficou. “São Paulo me pegou pela mão. Todo dia tinha algo para fazer. As pessoas daqui é que fazem tudo valer a pena. Tem muita gente querendo fazer e acontecer.”

Ia viajar por três meses pela América Latina. Mas meu plano acabou na primeira parada. Cheguei a São Paulo e fiquei”, rememora Thomas, que “paulistou” seis anos e meio atrás. Formado em inteligência artificial em Edimburgo, na Escócia, o rapaz chegou a trabalhar na Amazon. Mas hoje ganha a vida com a Voodoohop, coletivo que fundou e que faz festas em locais inóspitos da cidade: prédios abandonados no centro, o Largo do Paissandu, o Minhocão.

“O que mais sinto falta em São Paulo é de espaços públicos, que possibilitem a troca entre as pessoas. Ninguém pisa na grama, as praças são apenas lugar de passagem”, aponta. O alemão não tardou a fazer um monte de amigos brasileiros. “Acho que, aqui, o estrangeiro é mais raro se comparado, por exemplo, com o Rio. As pessoas ficam curiosas, interessadas em você.” A seu ver, há cada vez mais gringos em São Paulo. “E quanto mais, melhor”, complementa.

São Paulo, uma cidade violenta? Ele discorda: “O brasileiro exagera um pouco, sente mais medo do que precisa. Ando no centro com laptop e nunca fui assaltado, nunca vi assalto. Na Europa, já. Tudo depende de como você se comporta”. Sobre a saúde pública, não pode dizer o mesmo. Já teve de esperar mais de 5 horas para ser atendido em um hospital. “E o médico me dispensou em 5 minutos.”


"Em São Paulo, ninguém pisa na grama, as praças são apenas lugar de passagem"

Sebastian Dominguez é um executivo de alto nível, daqueles que nem Casual Friday têm. Quando conversou com a Trip, numa sexta-feira, vestia terno – dispensou apenas a gravata. Sebá, como os paulistanos o chamam, não tem problemas em dizer que adora dinheiro. E esse foi um dos motivos que fizeram o argentino mudar-se para São Paulo. “A cidade hoje é a Nova York da América Latina. Principalmente para a área de finanças, que é a minha”, conta.


"A cidade hoje é a Nova York da América Latina. Principalmente para a área de finanças"


Formado em administração, ele trabalha na Michael Page, empresa de headhunting, encarregada de caçar talentos para outras. Era funcionário da matriz portenha e pediu para ser transferido para a paulistana. “Queria pegar essa onda de crescimento e expansão que vocês estão vivendo”, diz. Ele, aliás, não está sozinho. O escritório Veirano Advogados, um dos únicos do país a ter uma banca focada em imigração empresarial, estima aumento de 30% na demanda por autorização de trabalho para estrangeiros em relação ao ano passado.

Sebá chegou em abril de 2011. Mora, trabalha e faz academia no bairro da Vila Olímpia, distrito empresarial de São Paulo. “Vivo numa bolha, não há como negar”, confessa. Seu plano é continuar morando na cidade pelo menos até a Copa do Mundo. “Meus amigos brasileiros me falam que, nessa época, o mais seguro é eu sair do país”, brinca.

diploma de medicina não foi suficiente para que Ninoska, Nina para os íntimos, conseguisse um bom emprego em Lima, sua cidade natal. “Na capital, os cargos médicos são todos políticos. Você precisa ser indicado por alguém”, reclama. Desesperançosa, resolveu entrar em um avião para Rio Branco, no Acre, e depois em um ônibus até São Paulo, como já haviam feito outros amigos médicos.

Sua ideia é enfrentar uma bateria de exames para revalidar a graduação para o Brasil e, depois, cursar uma especialização em dermatologia. Antes de qualquer coisa, porém, precisa achar um emprego para bancar teto e comida. As economias que trouxe já evaporaram. 
“Por enquanto, ser médica só atrapalhou na hora de conseguir um emprego aqui. Acham que não vou aceitar trabalhos mais braçais por causa disso”, diz. No momento, ela está morando na Casa do Migrante.

 

"Por enquanto, ser médica só atrapalhou na hora de conseguir um emprego aqui"

 

A impressão que teve de São Paulo até o momento não é das melhores. “A cidade é feia, malcuidada. Menos a avenida Paulista, que é linda. Fora isso, não entendo tantos indigentes na rua. O governo aqui dá tantas chances para as pessoas”, acredita. Solteira e sem filhos, gostaria de permanecer na cidade mesmo assim. “Quem sabe não trabalho ajudando pessoas como eu, aqui na Casa do Migrante.”

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