DESABAFO
Escrevo sempre aquilo que deveria falar. Como um vulto, sigo desconhecido e irremediável. Nada me assusta, nem de repente. Tudo me parece feito para ser consumido e eu, estabanado como uma mãe aflita, espero. Espero como se estivesse esperando a vida, de banho tomado, para sair.
Tudo o que me ajudou a sobreviver foi indispensável. Nunca pude andar sobre as águas, mesmo porque nunca acreditei muito em quase nada. Nadei na terra sob a luz do sol a me derreter. Quis amar no prazo, mas sempre estive atrasado e nunca foi minha vez. Às vezes até gosto de minha imperfeição. Sei que desagrado, que sou injusto, que magôo e firo. Esse tem sido meu recheio.
Reverencio o que é diferente, que arrisca, mesmo que doa ou mate. Morrer para mim não será algo assim tão surpreendente. Já morri e renasci de mil mortes, estando vivo. Vivi a premência da morte por quase toda vida. Meus amigos e inimigos todos morreram. Raros foram os que sobreviveram ao desastre social que nos tornamos.
Já me entreguei à morte algumas vezes, pensando não haver mais saídas. É doce desistir, fechar os olhos e descansar... Não temo a morte. Temo sim a dor que me causará a morte. Mas dor é algo que tenho intimidade, então acho que estou pronto, se for agora.
Caminhei sobre bases insólidas, meio perdido, sem nunca me achar. Viver não aplaca minha sede, apenas aumenta minha voracidade. Não, eu não temo o que possam me acontecer. A vida depois da morte não pode ser pior. Ameaças jamais me intimidaram. Antes despertam uma fúria adormecida. Em minha audácia, vivo em grande intimidade com meus erros, sabendo que deles morrerei.
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Luiz Mendes
15/06/2011.