Não é só pelo sabor

por Ronaldo Lemos
Trip #250

A fabricação de cerveja é uma mistura entre o espírito punk do “Faça você mesmo” com as regras do software livre. Qualquer pessoa é bem-vinda para criar sua própria fórmula da bebida

Nada melhor do que uma cervejinha para comemorar as pequenas vitórias da vida. Só que até pouco tempo no Brasil, essa comemoração era padronizada. O gosto das cervejas brasileiras era tão variado quanto os tipos de vegetação em um campo de futebol. Ou seja, não importava a marca escolhida, o tipo de cerveja era praticamente o mesmo e as variações de sabor, desprezíveis.

Corte para 2015. Há uma revolução em curso no Brasil. O mercado das cervejarias artesanais está em ebulição. A diversidade de sabores explodiu e há milhares de produtores experimentando fazer cervejas com ingredientes típicos (da pimenta ao açaí, passando pelo melaço ou o baru), construindo um mosaico gustativo impossível de ser imaginado há dois anos.

Só no Rio de Janeiro, houve um crescimento de 585% do número de cervejarias no estado nos últimos três anos. No Brasil, houve um salto de 215 microcervejarias em 2012 para 391 no final de 2014, número que não para de crescer. Hoje, as cervejas artesanais já representam 0,5% do mercado cervejeiro do país. A estimativa é que esse percentual atinja 4% em 2022.

Nesse mercado, o céu é o limite. Nos EUA, todas as microcervejarias somadas já representam 19% do mercado em receitas. O crescimento é voraz. Enquanto em 2014 o mercado de cervejas corporativas cresceu apenas 0,5%, o de artesanais cresceu 22%. Ou seja, ninguém segura as pequenas. Elas já representam receitas de mais de US$ 19 bilhões anuais.

O mais legal desse movimento é que ele não se resume ao sabor. A fabricação de cerveja é um excelente exemplo da cultura do “faça você mesmo”. Quem curte tomar uma gelada pode, se quiser, fabricar a própria versão em casa. Com os ingredientes certos, dá para usar utensílios domésticos presentes em boa parte das cozinhas.

É também um mercado aberto para experimentação e inovação. O Brasil é tão rico em ingredientes e sabores que é possível desenvolver um número gigantesco de combinações e tipos de cerveja. Tanto seguindo a fórmula tradicional (com malte, cevada e lúpulo) quanto subvertendo essa fórmula das maneiras mais criativas possíveis.

Fórmula própria

Nesse sentido, a fabricação de cerveja é uma mistura entre o espírito punk do “faça você mesmo” com as regras do software livre e de código aberto. Toda e qualquer pessoa é bem-vinda para criar sua própria fórmula, que pode ser infinitamente aperfeiçoada e modificada, como um bom software.

Além disso, esse é um excelente modo de incentivar a produção local. Quer coisa mais prazerosa do que tomar uma cerveja feita com ingredientes da própria região, por um microempresário local, que provavelmente ama o que faz? Pode ter certeza de que a diferença no produto final vai ser visível.

Claro que desafios não faltam. O principal deles é a burocracia, que assola todos os empresários brasileiros, mas afeta especialmente os fabricantes de cerveja. Várias microcervejarias são tratadas, do ponto de vista tributário, com as mesmas regras aplicáveis às grandes cervejarias. Além disso, em várias cidades os decretos que regulamentam a implantação de cervejarias são da década de 70.

Tudo isso precisa ser repensado para incentivar o pequeno produtor. O estado do Rio já deu um bom exemplo, reduzindo em 2014 o ICMS das microcervejarias de 25% para 13%. Não é o ideal, mas é um bom começo. Lembrando que hoje a carga tributária pode morder até 68% da receita das cervejarias, é fundamental apoiar o projeto de lei que prevê a inclusão delas no Simples. Isso daria condições para que essa revolução cresça e se torne cada vez mais surpreendente.

Quer ajudar? Quando for tomar sua próxima breja, pergunte quais os selos artesanais disponíveis. E dê preferência para lugares que apoiam esse belo movimento.

Créditos

Flávia Junqueira

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