2008 provou de vez que os melhores sons, ritmos, ritos e festas são encontrados hoje nas bordas do sistema, tanto as geográficas quanto as simbólicas
Por Ronaldo Lemos*
O fim do ano se aproxima e com ele vêm junto as recorrentes listas de melhores discos do ano. Em um ano tão bom para a música como 2008, imagino que será difícil resumir em cinco ou dez nomes a complexidade e a diver sidade de sons interessantes que chegaram às redes. Essa tarefa fica ainda mais complexa porque, em pleno 2008, teima em prevalecer o conceito de álbum musical como ponto de referência para um “lançamento”.
A idéia de álbum tornou-se um fi ltro, um funil mesmo, por onde passa uma parcela cada vez menor da música produzida ao longo do ano. A maior parte guarda muito pouco compromisso ou reverência com a idéia de um álbum. Não que o formato tenha deixado de ser interessante do ponto de vista estético. Ao contrário, é muito bom ver o “disco” de um grupo como o Neon Neon, chamado Stainless Style, gravado em torno de um único conceito (no caso, todas as músicas são inspiradas na vida do John DeLorean, o engenheiro que projetou o carro retrofuturista do filme De volta para o futuro, contando suas aventuras com modelos e drogas). É quase uma miniópera pop, e o formato funciona bem.
CENA HARDCORE
No entanto, os lugares onde a inovação estética aparece pra valer já operam há muito tempo (muito antes da internet, inclusive) com total independência da idéia de álbum. Nesse sentido, desde sempre, a inovação musical mais empolgante ocorre mesmo é nas periferias. Por “periferia” entenda-se não só o conceito geográfico e socioeconômico, mas também simbólico.
Quer ver coisas novas surgindo e desaparecendo, tudo mudando rapidamente, novos sons, ritmos, ritos e festas? Procure nas pontas. Isso abrange não só as cenas periféricas globais, no sentido socioeconômico (tecnobrega, funk carioca, kuduro em Angola, bubblin no Suriname, kwaito na África do Sul, cumbia villera na Argentina e assim por diante), mas também outras “periferias”: a cena de música improvisada da Inglaterra e de São Paulo, o novíssimo e interessante skwee da Finlândia, o metal underground extremo brasileiro e assim por diante.
Essas cenas “periféricas” correspondem exatamente àquelas que o crítico inglês Simon Reynolds chamava já no começo da década de 90 de “hardcore”. Não apenas no sentido das bandas que tocavam rock pesado e rápido no sul da Califórnia dos anos 80 (como Black Flag e Bad Religion), mas no sentido amplo de designar cenas musicais nas quais as pessoas participam, ouvem e fazem música simplesmente porque gostam daquilo e nada mais. Sem se preocupar com uma linguagem preestabelecida ou passar recibo para qualquer tipo de crítico ou crítica.
E, com a internet, essas cenas periféricas/hardcore e seus fãs passaram a se articular de forma cada vez mais intensa, o que não deixa de ser empolgante. Mesmo no mainstream, dá para estabelecer um princípio de que os artistas mais interessantes são aqueles conscientes de que existe esse oceano de inovação acontecendo nas pontas. E por conseqüência são aqueles que absorvem parte delas (Björk, por exemplo, é mestre em fazer isso) ou pelo menos não fi ngem que elas não existem, estacionando sem distanciamento ou ironia em uma estética consolidada, por mais bacana que seja (do punk dos 70 ao pós-punk/new wave dos 80 e assim por diante). Nesse sentido, um olhar mais generoso com o que acontece nas pontas é, no mínimo, fonte de diversão e desafi o. E haja fôlego para recapitular tudo de bom que aconteceu musicalmente em 2008!
*RONALDO LEMOS, 32, é diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br
O fim do ano se aproxima e com ele vêm junto as recorrentes listas de melhores discos do ano. Em um ano tão bom para a música como 2008, imagino que será difícil resumir em cinco ou dez nomes a complexidade e a diver sidade de sons interessantes que chegaram às redes. Essa tarefa fica ainda mais complexa porque, em pleno 2008, teima em prevalecer o conceito de álbum musical como ponto de referência para um “lançamento”.
A idéia de álbum tornou-se um fi ltro, um funil mesmo, por onde passa uma parcela cada vez menor da música produzida ao longo do ano. A maior parte guarda muito pouco compromisso ou reverência com a idéia de um álbum. Não que o formato tenha deixado de ser interessante do ponto de vista estético. Ao contrário, é muito bom ver o “disco” de um grupo como o Neon Neon, chamado Stainless Style, gravado em torno de um único conceito (no caso, todas as músicas são inspiradas na vida do John DeLorean, o engenheiro que projetou o carro retrofuturista do filme De volta para o futuro, contando suas aventuras com modelos e drogas). É quase uma miniópera pop, e o formato funciona bem.
CENA HARDCORE
No entanto, os lugares onde a inovação estética aparece pra valer já operam há muito tempo (muito antes da internet, inclusive) com total independência da idéia de álbum. Nesse sentido, desde sempre, a inovação musical mais empolgante ocorre mesmo é nas periferias. Por “periferia” entenda-se não só o conceito geográfico e socioeconômico, mas também simbólico.
Quer ver coisas novas surgindo e desaparecendo, tudo mudando rapidamente, novos sons, ritmos, ritos e festas? Procure nas pontas. Isso abrange não só as cenas periféricas globais, no sentido socioeconômico (tecnobrega, funk carioca, kuduro em Angola, bubblin no Suriname, kwaito na África do Sul, cumbia villera na Argentina e assim por diante), mas também outras “periferias”: a cena de música improvisada da Inglaterra e de São Paulo, o novíssimo e interessante skwee da Finlândia, o metal underground extremo brasileiro e assim por diante.
Essas cenas “periféricas” correspondem exatamente àquelas que o crítico inglês Simon Reynolds chamava já no começo da década de 90 de “hardcore”. Não apenas no sentido das bandas que tocavam rock pesado e rápido no sul da Califórnia dos anos 80 (como Black Flag e Bad Religion), mas no sentido amplo de designar cenas musicais nas quais as pessoas participam, ouvem e fazem música simplesmente porque gostam daquilo e nada mais. Sem se preocupar com uma linguagem preestabelecida ou passar recibo para qualquer tipo de crítico ou crítica.
E, com a internet, essas cenas periféricas/hardcore e seus fãs passaram a se articular de forma cada vez mais intensa, o que não deixa de ser empolgante. Mesmo no mainstream, dá para estabelecer um princípio de que os artistas mais interessantes são aqueles conscientes de que existe esse oceano de inovação acontecendo nas pontas. E por conseqüência são aqueles que absorvem parte delas (Björk, por exemplo, é mestre em fazer isso) ou pelo menos não fi ngem que elas não existem, estacionando sem distanciamento ou ironia em uma estética consolidada, por mais bacana que seja (do punk dos 70 ao pós-punk/new wave dos 80 e assim por diante). Nesse sentido, um olhar mais generoso com o que acontece nas pontas é, no mínimo, fonte de diversão e desafi o. E haja fôlego para recapitular tudo de bom que aconteceu musicalmente em 2008!
*RONALDO LEMOS, 32, é diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br