Muito além da virada

por Alê Youssef
Trip #223

A violência é um problema orgânico da sociedade, a Virada Cultural não tem a ver com isso

A violência é um problema orgânico da nossa sociedade, fruto de ultrapassadas políticas sociais e de segurança pública. A Virada Cultural de São Paulo não tem nada a ver com isso.

“Quatro milhões de pessoas nas ruas, majoritariamente no centro da maior metrópole do hemisfério sul. Novecentas atrações em 88 espaços que vão de palcos ao ar livre a centros culturais. Essa é a realidade em números do maior evento realizado na cidade de São Paulo, a Virada Cultural. Se ainda há algumas pessoas achando que nos últimos dias 18 e 19 de maio testemunhamos a ‘Virada Criminal’, ou que parecia a ‘festa do arrastão’, me desculpem a franqueza, existe aqui uma carência de informação ou um exagero sensacionalista. Numa cidade em que as mazelas sociais estão expostas, e o centro da cidade reúne muitas delas, não é porque se tem Virada Cultural que se tem furtos, roubos e violência. Onde há concentração de pessoas desta ordem de grandeza, comparável ou superior à população de países inteiros do mundo, não se pode crer, à la Rousseau, que esses 4 milhões são todos exemplares seres humanos, bem intencionados, de admirável caráter e que só queiram extravasar e flanar sem provocar ou se envolver em nenhum incidente grave, como se recomenda a todos por dever e direito. A questão, portanto, consiste em desfazer o mito que tem sido aventado por alguns algozes negativistas, de que a Virada Cultural de 2013 não foi bem-sucedida.”

Danilo Miranda – Diretor do Sesc São Paulo

Ainda bem que existem vozes coerentes neste mundão de reclamações generalizadas. Ainda bem que existe bom senso para separar o joio do trigo e mostrar que a violência é um problema orgânico da nossa sociedade, fruto de ultrapassadas políticas sociais e de segurança pública, e que a Virada Cultural de São Paulo não tem nada a ver com isso. O evento é apenas mais uma vítima da realidade de insegurança já estabelecida. Imaginar o fim dele por causa da insegurança é se entregar, se render, parar de lutar e não mais acreditar na nossa cidade.

A existência da Virada Cultural é mais importante do que um show específico ou qualquer atração. Ela é um símbolo de como São Paulo poderia ser. Pessoas ocupando o lugar de carros, cultura ocupando o lugar da especulação. É um sopro de pertencimento e de valorização da real vocação criativa e artística da nossa cidade. O melhor da Virada Cultural está na experiência que a Virada proporciona. O melhor está entre os palcos, entre as instalações, nas pessoas circulando, se relacionando e redescobrindo a própria cidade. E assim deve ser sempre. O ano inteiro.

Já faz bastante tempo que tenho uma claríssima noção de que a cidade de São Paulo tem todos os elementos necessários para ser uma capital internacional da cultura e da criatividade, afinal é a cidade mais diversa do país. A força econômica atraiu muita gente de todos os cantos e de todos os tipos e o gigantismo da cidade possibilitou a coexistência de vários nichos e microuniversos. Em São Paulo não existe bairrismo e qualquer um pode chegar, empreender, se dar bem, sem nenhum patrulhamento provinciano. Esse charme cosmopolita, antenado e conectado, abre mil possibilidades criativas e acolhe muito bem a vanguarda.

Pauliceia desvairada

São Paulo é um caos urbano, e viver na cidade fica impossível se as pessoas não criarem situações de convivência e ajuda. Nesse sentido, a arte é a melhor cola, a possibilidade de liga, a verdadeira essência dessa tentativa de sobrevivência. São Paulo é feia de dia, e isso é mais um motivo para a cidade se jogar no mundão mais transgressor da arte, para transformar essa feiura em beleza, o cinza em cor. São Paulo é linda de noite, e não existe melhor ambiente para a criação e o encontro do que a boemia.

A caretice da maioria dos governantes, as políticas sociais equivocadas ou a histeria dos recalcados de plantão não podem mudar a verdadeira vocação da cidade. Pode demorar, atrasar, mas no futuro São Paulo vai bombar para o mundo inteirinho através da arte e o desenho de cidade que nasceu em 1922 vai prevalecer. O famoso empreendedorismo paulista vai direcionar o foco para a economia criativa. A pauliceia desvairada não é a dos condomínios de prédios neoclássicos, dos carros blindados e dos shopping centers de luxo. A cidade de São Paulo é muito melhor do que tudo isso. Seu DNA está na ocupação da cidade, no retorno das praças, nos eventos públicos, nos neons das ruas e no grafite dos muros.

E, para quem não concorda com nada disso, uma frase que ouvi recentemente: “Os chatos que se divirtam. Uma cidade tem que arrancar sorrisos”.

*Alê Youssef, 38, é produtor cultural, consultor de conteúdo e comentarista do programa Esquenta, da Rede Globo, diretor artístico do Studio RJ e presidente do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta. E-mail: alexandreyoussef@gmail.com/Twitter: @aleyoussef
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