Movimento dos Sem-Felicidade

por Redação
Trip #165

Se me convencerem de que dinheiro traz felicidade, vou invadir o lugar onde os ricos a guardam, como se fosse um supermercado em época de seca

Cada dia fica mais difícil defender a idéia de que não é dinheiro que traz felicidade. Argumento tentando demonstrar que isso é indução, marketing, daqueles que tiram lucro com isso. Cada vez mais me sinto cercado. Parece que todos querem, comodamente, ajeitar a vida para que se possa comprar tudo. Inclusive a felicidade. E penso que fazem isso porque deve lhes parecer mais fácil assim. Se tudo tiver um preço, então o que se tem a fazer é pagar e obter. Como um carro, uma casa. Acabou o romantismo. Agora é venha com o meu que eu fiz por onde. Dá até para pensar em alternativas. Suaves prestações mensais, consórcio, cartão de crédito, débito ou até cheque pré-datado. O preço dessa felicidade, na suposição de que possa ser comprada, teria que ser flexível. Os direitos continuariam sendo iguais para quem tem ou não tem dinheiro (ah! ah! ah!). E como nos aproximaríamos de quem vende felicidade? Seria ele traficante ou legítimo comerciante? A fonte da felicidade deveria ser encantada, segredo misterioso. Ou então a fórmula estaria guardada em um supercofre bancário. Como a da Coca- Cola. Porque, se o povo souber onde se faz ou tem felicidade, acho que invade. Como supermercado em época de seca.
Sei que com dinheiro dá até para amenizar infelicidades. Só não garante felicidade para ninguém. Mas, se me convencerem de que existe esse mito “felicidade-que-pode-ser-comprada”, como não tenho dinheiro, não tenham dúvidas: estarei entre os invasores. Seria o MSF. Ou seja: Movimento dos Sem-Felicidade. A constituição diz que temos direito à felicidade. Tenho cá minhas dúvidas. Ela diz também que temos direito a moradia, saúde, liberdade, educação e um monte de outras coisas. Mas poucos têm no nível da necessidade.
A solução seria criar uma felicidade standard. Somente o que for básico, acessível a todos. Mas aí ficaria um problema: o que é elementar, básico, em uma felicidade? O que é supérfluo e acessório, que faz parecer o preço da felicidade de luxo possível somente aos donos do dinheiro? É óbvio que eles não iriam se conformar com uma felicidade igual à de todo mundo. Devem se julgar mais “humanos” que os outros humanos. Portanto, dignos de uma felicidade maior. Talvez no apartamento de cobertura, na casa da praia privativa ou ainda na mansão da fazenda familiar.
E onde estaria a felicidade geral? Nas ruas? Em alguma fundação, autarquia ou ministério de um governo mundial? Sim, porque nenhuma empresa agüentaria. A teoria marxista de que o mundo se tornaria socialista por conta de que empresa privada alguma suportaria acompanhar a capacidade inventiva do homem talvez aí desse certo. Já pensou uma multinacional detentora da patente da felicidade? Não daria certo. Com certeza os governos nacionais quebrariam o direito de patente. Há precedentes históricos. Já que estamos globalizados, fica fácil pensar em um governo unificando e comandando tudo, até a distribuição da felicidade.

MADE IN PARAGUAI
Talvez exista algum tipo de felicidade do “Paraguai” para rolar na favela, nos morros e nos cortiços. Bem, essa até que existe. Só que aí funciona um fenômeno bastante interessante. Em vez de ser vendida por quem tem capital, como é do “Paraguai” só os que não têm dinheiro é que vendem. Embora quem tire lucro com tudo isso sejam sempre os mesmos.
A ONU assegura que os números globais do tráfico de drogas são da ordem de US$ 800 bilhões por ano. Existe US$ 1,5 trilhão, três vezes o Produto Interno Bruto do Brasil, de dinheiro ilegal em circulação no planeta. Sem que todo o sistema financeiro e econômico estivesse envolvido, seria impossível lavar tanto dinheiro. Bancos, financeiras e bolsas de valores estão comprometidos de alguma forma. A indústria das drogas é mais rica que a de petróleo e gás juntas. Complica um pouco o fato de os filhos dos poderosos, que deveriam ter a felicidade original que, dizem, o dinheiro compra, procurarem as drogas avidamente. É só ficar próximo de uma “biqueira” para ver a quantidade de carros importados estacionados nas proximidades.
Não está definido que dinheiro traz felicidade (eu discuto, ainda). Como de qualquer modo não terei dinheiro para comprar, caso venha a se estabelecer mais essa “verdade” comercial, vou continuar achando difícil, se não impossível, ser feliz. Jamais serei seduzido pelo marketing. Se conseguir um pouco de justiça, já vou me dar por contente. Felicidade para quê?!

*Luiz Alberto Mendes, 55, autor de Memórias de um sobrevivente, procura aliados para fundar o MSF. Os interessados podem escrever para o e-mail lmendes@trip.com.br

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