Escrevi sobre uma catástrofe ecológica e cometi um pecado fatal: falar sobre a morte
Na cultura que bem vagamente chamamos de ocidental, ou seja, a nossa cultura, um dos pecados mortais é justamente o de falar da morte, nem que seja de raspão. Senti isso na pele há umas poucas colunas. O tema da Trip era então Praia e eu acabei caindo na tentação de escrever sobre aquilo que me parecia, parece, mais urgente e pertinente ao assunto: a possível morte das praias como as conhecemos.
Meu raciocínio não foi além do elementar. De um lado, não é novidade nenhuma que a maioria das projeções cientificas prevê um aumento da temperatura média da Terra, que por sua vez vai elevar o nível do mar em alguns metros nas próximas décadas. De outro, as praias, que por definição são faixas de areia à beira do mar, estão localizadas numa altitude minimamente superior ao próprio. Não é preciso ser nenhum Aziz Ab’Saber para deduzir que a chance de elas desaparecerem num futuro próximo, sobretudo se nada for feito logo, é muito grande.
Isso é o óbvio. E o óbvio pode insultar alguns. “Ecochato”, “deprimido”, “apocalíptico” estavam entre os adjetivos que certos leitores da coluna usaram para me definir. Para alguns, mais exaltados, o fato de eu estar me referindo abertamente à futura morte das praias parecia significar que era eu quem já estava a assassiná-las ou, pior, que eu estava desejando a morte deles próprios.
Nada de novo também. Esse tipo de reação é clássica quando se trata da questão ambiental, ainda hoje. Se minha ingênua intenção era a de abrir olhos para um dos acontecimentos surreais que a irresponsabilidade ambiental pode gerar, tenho que admitir que quem morreu na praia fui eu. Boa parte da raiva que os leitores poderiam, deveriam, dirigir ao absurdo fato de que algumas das paisagens mais maravilhosas da natureza podem realmente acabar foi dirigida a mim.
DOURAR A PÍLULA
Não quero condenar esses leitores, muito menos aqueles que formularam sua crítica de uma maneira mais sensata. Estes, resumindo, disseram que a estratégia mais inteligente para denunciar uma catástrofe ambiental iminente deve ser a de sempre usar tons “construtivos”, “otimistas”, mesmo que a catástrofe seja aquilo que obviamente é: catastrófica.
Dourar a pílula é uma tática que até faz algum sentido aqui. Aqueles que negam a luz das obviedades tenebrosas, como a catástrofe ambiental, geralmente o fazem por razões de que eles próprios se envergonham. Entre elas o medo, a ignorância e a arrogância. Acontece que uma luz dessa magnitude pode até ser negada, mas é infelizmente forte demais para se apagar e passa a iluminar justamente a barreira que a separa dos negadores. Ou seja, seu próprio medo, arrogância e ignorância. Não é surpresa que fiquem incomodados.
A verdade é que a catástrofe ecológica atualmente se confunde na cabeça de muitas pessoas com o tema de sua própria morte. A gravidade da situação acaba funcionando, para alguns, como metáfora de nossa própria finitude. Lidar com esse tabu gera uma raiva cega e confusa que permeia toda a questão.
Um dos grandes paradoxos do drama ambiental é o de que a maioria daqueles que denunciam a situação calamitosa geralmente o faz porque acredita que ainda há uma chance, mesmo que mínima, de contorná-la. E, na outra ponta, muitos daqueles que ainda negam a calamidade pública, na prática ou na teoria, agem assim porque no fundo acreditam que ela é inevitável, como a própria morte.
A boa notícia é que as coisas são muito mais simples. A morte é um destino obrigatório. A catástrofe ambiental ainda não é. É esse o tipo de otimismo em que prefiro acreditar.