A casa de Johnny Rice: o gato, a sala de shape e os espíritos místicos, seus antepassados
Cidadão norte-americano, índio norte-americano, californiano da surf city Santa Cruz e até um pouco brasileiro. Este é Johnny Rice. Se fosse totalmente brasileiro, seria Joãozinho Arroz. Conheço a figura desde os anos 70, quando ele morava e shapeava pranchas em sua casa na praia do Tombo, no Guarujá. Fiquei muito tempo sem vê-lo, mas em 1994 resgatei o contato, pois fui morar um ano em Santa Cruz e bati na porta dele para encomendar uma prancha. Ele foi entregá-la em minha casa. Estacionou ali seu rabecão Cadillac, daqueles pretos de carregar defunto, comprido e chinfroso, lotado de pranchas. É o delivery da marca Johnny Rice.
Tudo dele tem um estilo especial, personal e bacana. A casa onde mora com sua mulher, Rosemary, é genial. Localizada no West Side de Santa Cruz, não é grande nem pequena. O suficiente para acomodar o casal, o gato, a sala de shape e os espíritos de místicos índios, seus antepassados. Vivem de maneira interessante, calcados em valores da contracultura dos anos 70.
Os objetos têm vida, são belos e não têm intenção decorativa, pois estão impregnados de valor histórico, utilitário e afetivo. A xícara está e estará lá por muito tempo, assim como móveis, tapetes, quadros e tudo que forma uma unidade que se chama: casa legal para morar. O banheiro e o dormitório propõem um tipo de conforto a que não estamos acostumados, muitos quadros, plantas, móveis, tapetes, um aconchego total. O escritório tem uma identidade única, misturando material de desenho com livros geniais, muitos quadros e objetos sagrados de tribos ancestrais, computador, pranchas, muitas fotos e tudo aquilo que denuncia uma alma vivida, ampla, sofrida e de alguma maneira complacente com a realidade da vida.
Templo das pranchas
A casa de madeira, bem típica dessa região da Califórnia, está colocada no lote de maneira a sobrar um bom jardim, com antigos bancos e uma mesa para o café da manhã ou para uma boa conversa sobre a futura prancha de surf, que será feita logo ali na sala de shape. Esta também é toda de madeira e, no momento que você entra nela, percebe imediatamente um clima de respeito, como um pequeno templo onde se fala baixo e se aprecia a arte de shapear.
Nos despedimos do casal e agradecemos por toda a simpatia. Quando saio para a rua, percebo o quanto estava envolvido por aquele ambiente, aquela atmosfera mística, o mobiliário e tudo aquilo que eles vivem e respiram dentro daquela casa. A maneira deles de morar é intensa e verdadeira, charmosa e rica, e mostra uma distância abissal daquilo que se vende hoje como casa ou moradia.