Mistérios da vagina

Como ilustrar uma edição sobre o órgão genital feminino?

Caro Paulo,

Sou contra a pauta da vagina. Expor a vagina é contra a natureza dela. Porque você acha que seu design é para dentro, ao contrário do pênis, que é para fora? Este sim, exibido, foi feito para crescer, aparecer e realizar seu feito. Expor a vagina não é valorizá-la. É negar o feminino no seu mérito de não ser, no seu design de vazio, de possibilidade. A vagina não tem nada a exibir porque sua virtude é a ausência como o espaço entre os batentes de uma janela aberta, de uma xícara vazia, de um buraco na terra esperando a semente. É o design da possibilidade. Está muito mais relacionada ao infi nito, à imaginação e à fantasia do que ao concreto e à realidade finita. 

A beleza e o significado da vagina estão no seu interior oculto, misterioso, poderoso, protetor do dom e da origem da vida. Por acaso? Não! Isso é design-desígnio, destino, propósito. Exibir a vagina como se exibe o pênis não é fazer justiça à vagina. É não reconhecer o específi co feminino e tratá-la como o pênis é tratado. É machismo discriminador e insensível das reais diferenças que devem ser tratadas de maneira diferente. 

Como vamos ilustrar esta edição? Fotos sensuais? Não é novidade. Técnicas? Não, obrigado. Desenhos naturalistas? Alegóricos? Esculturas? Como é a escultura de uma vagina? Só consigo imaginar uma vagina-instalação para o espectador entrar, ter a experiência de um espaço macio, quente, escorregadio, úmido, escuro e sair. Por mais rica que seja, a experiência é pobre. Mas pobre também é minha capacidade de criar a experiência artística.

CONSTRANGIDO

Talvez somente a arte possa nos levar à consideração do extraordinário que é o não ser como a possibilidade do ser, da ausência como condição da presença, do escuro como o caminho para a luz. Nossa civilização, que supervaloriza o ser, o fazer e o ter, não sabe valorizar o não ser, o não fazer, o não ter. Faltam repertório, linguagem e, apesar da necessidade, falta vontade. É essa carência que nos põe incompetentes para criar soluções que considerem a complementaridade dos opostos e a interdependência dos sistemas que nos mantêm vivos. Estou muito curioso para ver como será esta edição.

Confesso que eu me vi tão constrangido para falar da vagina que pensei em pedir para uma mulher escrever esta coluna. Talvez eu devesse mesmo ter feito isso. Desculpe qualquer coisa.

Fica com o meu abraço – dois braços abertos para a possibilidade do afeto.

Do amigo,
Ricardo

*Ricardo Guimarães, 65, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é @ricardo_thymus

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