É animadora a possibilidade de um mundo em que não se vai delegar mais nada a ninguém
Me anima a possibilidade de um mundo em que não se vai delegar mais nada a ninguém. A sociedade em rede vai viabilizar isto: cada um responde por si, sem se esconder atrás de hierarquias corporativas ou representações legais
Caro Paulo,
Não sei se você vai lembrar, mas logo nas primeiras vezes em que a gente sentou para trocar ideias sobre empresa e trabalho você me acusou, surpreso: “Cara! Você é um militante 24 horas!”. Eu achei estranho e ri muito porque eu nunca tinha me visto como militante na empresa e porque você me acusava de algo que você também era! Foi aí que viramos irmãos de estrada e que nasceu esta amizade que tanto prezo.
Se neoativismo existe, é isso o que a gente tentou fazer a vida inteira. É procurar fazer de qualquer decisão no trabalho, nos negócios ou na vida privada uma manifestação daquilo em que se acredita. Porque a delegação dessa tarefa para os ativistas de plantão e os idealistas profissionais gera os políticos e as igrejas que nadam de braçada nas águas da manipulação e da corrupção.
Aliás, estou cada vez mais animado com a possibilidade de um mundo em que não se vai delegar mais nada para ninguém. A sociedade em rede vai viabilizar isto: cada um responde por si, tipo “Love them all, trust no one”. Existem coisas que sempre foram indelegáveis, não importa se você é o primeiro da lista da Forbes ou apenas o oitavo, se você é o goleiro Bruno ou Neymar, se é o chef Alex Atala ou a nossa copeira Solange. Comer, mijar, transar, dormir, surfar, ir ao dentista, envelhecer, morrer... são atividades indelegáveis. É o mundo natural que impõe uma humildade para entender a vida como ela é e agir de acordo com ela sob o risco de adoecer e entrar em sofrimento. Atividades também indelegáveis, embora evitáveis! Isto é, ou você fica esperto e íntimo da dinâmica da vida ou dança. Não dá para se defender se escondendo atrás de hierarquias corporativas nem representações legais, poderes instituídos ou advogados de muito talento e pouco caráter.
PEIXES DE OCEANO
Na sociedade em rede vamos viver como vivem peixes no oceano. Para deixar isso claro, vou contar uma história deliciosa que ouvi semana passada de um de nossos consultores, o Edú Hiroshi. Você sabe que o peixe cru é muito importante na culinária japonesa e, por isso, ele tem que ser fresco. O problema é que nos últimos tempos não havia mais peixes perto da costa. Então a pesca tinha que ser feita em alto-mar e a mercadoria era congelada durante a viagem de volta. Não deu certo: os peixes perdiam sabor, textura e foram recusados pelo mercado. Resolveram então colocar um grande tanque de água no barco para trazer os peixes vivos até a terra. Também não funcionou. Apesar de frescos, os peixes não tinham o mesmo sabor nem a mesma textura. A solução foi colocar um tubarão dentro do tanque para reproduzir as condições naturais da vida no oceano. Deu certo! O tubarão comeria alguns peixes, mas os restantes chegariam frescos e saborosos, com alto valor de mercado. Moral: a vida no aquário, em que se delega para alguém jogar a comidinha na hora certa, trocar a água, pôr oxigênio quando necessário e deixar as ameças do lado de fora, gera peixes sem sabor e sem valor. Peixe de oceano não delega e vai à luta. Peixe de aquário delega; principalmente a culpa pela humanidade não caminhar como ele acha que devia.
Para mim, neoativismo é esse ativismo pequeno e individual, que fica grande porque muita gente pensa e age assim e, por isso, de repente, o mundo muda. Neoativismo é saber que o tubarão não é vilão e que não existe mocinho que vai dar a vida por você. Se cada um fizer por si, com ciência e consciência, fica bom para todo mundo. Não é?
Meu abraço,
Ricardo
P.S. Como combinado, estou te avisando: o meu neto Tonico, filho da Shubi e do Renato, nasceu! E vai ser peixe de oceano. Estamos todos felizes.
*Ricardo Guimarães, 64, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus