Mi coche, su coche

por Ronaldo Lemos
Trip #245

A tecnologia tornou possível a criação de sistemas de confiança objetivos. Toda a estrutura do UBER é baseada nisso.

Há pouco tempo tive a oportunidade de conversar longamente com Ethan Zuckerman, diretor do Centro de Mídia Cívica do MIT Media Lab. Zuckerman é, em geral, um otimista. Seu otimismo estende-se ao Brasil, mesmo em tempos de alardeada crise. É um otimismo nada ingênuo: Ethan conhece bem o país e tem desenvolvido projetos importantes por aqui. Um exemplo é o “promessômetro” (Promise Tracker) – ferramenta tecnológica que permite o monitoramento tanto de promessas políticas quanto de metas públicas –, que está sendo implementado em São Paulo pela Rede Nossa São Paulo. 

Zuckerman acha que momentos de crise de confiança, como o que estamos vivendo hoje, são grandes oportunidades. É nesses períodos que nossa imaginação fica mais aguçada e criamos novas instituições para dar conta da crise. Um exemplo é a “Magna Carta” na Inglaterra – que completa seu 800º aniversário este ano e é origem de todas as Constituições modernas. Seu surgimento aconteceu justamente como produto de uma grave crise de confiança.

Déficit de confiança é algo que não falta no Brasil. Segundo pesquisa feita pelo economista Max Roser em 2014, o Brasil é um dos países em que as pessoas menos confiam umas nas outras. Quando somos perguntados se “de forma geral, acreditamos que dá para confiar nos outros” apenas 9% respondem sim. Na Noruega o “sim” representa 74% das pessoas. No México, 15%; na Colômbia, 14%; e no Chile, 12%. Somos mais desconfiados até que nossos vizinhos latino-americanos.

Mas estou com Zuckerman: das crises de confiança surgem oportunidades. A tecnologia tornou possível a criação de sistemas de confiança objetivos, que são hoje responsáveis pelo surgimento de algumas das empresas que mais crescem no mundo. Por exemplo, toda a estrutura do Uber é baseada nisso. Se alguém dissesse há três anos que seria normal você entrar no carro de desconhecidos nas grandes cidades do planeta, provavelmente seria tomado por louco. 

COMPLETO ESTRANHO 

A mesma coisa com relação ao Airbnb. Quem imaginaria que seria possível ficar hospedado na casa de um completo estranho quando este viajasse para algum lugar? Ou que seria possível alugar a própria casa para desconhecidos e fazer dinheiro com isso? Tudo isso só é possível porque tanto o Uber quanto o Airbnb usam um sistema que permite avaliar a reputação de forma muito mais eficiente do que as formas tradicionais, que dependiam de mecanismos de pequeno alcance, como indicação de amigos e familiares e outros modelos surgidos quando a maior parte das pessoas do planeta vivia em pequenos grupos e não em megacidades globais.

Esse sistema de “reputação” objetiva baseada na internet, por meio do qual as pessoas avaliam umas às outras, vai se espalhar por tudo o que fazemos. Vai tornar mais fácil a contratação de serviços, a tomada de empréstimos, a busca por empregadores ou empregados, a relação entre alunos e professores e até mesmo as formas de organização política da sociedade.

Esse tipo de arranjo é perfeito para o Brasil, que sofre com o fato de ter de viver em um perpétuo déficit de confiança, que acaba segurando a inovação e a criatividade inerentes ao país. Na próxima vez que ouvir a frase “Mais amor, por favor”, lembre-se de que nossos sentimentos e emoções estão deixando de ser apenas uma experiência interpessoal para se tornarem um elemento objetivo, mensurável por meio de uma intricada rede tecnológica alimentada por nós mesmos.

 

*RONALDO LEMOS, 39, é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org) e apresenta o programa Navegador na Globonews. Seu Twitter é @lemos_ronaldo


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