Estava em Natal, RGN, em férias, hospedados na cada da querida amiga Dalvaci, na Praia do Meio. O apartamento dela é em frente a praia. Todos dias cedo íamos, eu e a companheira, da Praia do Meio até o Forte dos Reis Magos e voltávamos. É uma caminhada e tanto, cerca de cinco quilômetros, mas muito prazerosa. Seguíamos pelo calçadão da praia e voltávamos pela praia, com os pés na água. O sol, logo cedo já era um resplandecer magnífico, de uma luminosidade estrelar. Aquecia a pele causando uma satisfação inenarrável. As praias de Natal são bem diferentes das outras; mansas como de uma imensa piscina, suas águas aquecidas por conta do sol onipresente desde o clarear do dia e dos recifes à frente do mar que represam as águas nas marés cheias até as vazantes. Fomos avisados que a violência na cidade assumira proporções insustentáveis, particularmente com turistas como nós. Por conta disso, não levávamos nada, além do shorts, camiseta e chinelos.
Estávamos voltando pela praia e em um trecho difícil em que tínhamos que caminhar devagar para não cortar os pés nas pedras, e as ondas do mar batendo já no alto das pernas ao fim da maré enchente, quando o avistei. Ele vinha em nossa direção, tentando aparentar, gingando o corpo e balançando os braços, que era malandro. Tentava nos assustar. Avisei a parceira. Moreno, alto, magro, jovem e demonstrando estar alcoolizado ou drogado. Coloquei a companheira para o lado do mar e tentei, em um jogo de corpo, deixá-lo entre eu e as pedras. Imaginei que, se viesse para cima de nós, eu teria espaço para defender a parceira e jogá-lo nas pedras.
Quando nos alcançou, encarei firmemente. Ele tentou devolver o olhar duro, mas sem muita convicção; não era tão firme assim. Sentindo sua insegurança e indaguei, intimidando:
_ O que você quer?
O sujeito pulou para o lado, fugindo das pedras e respondendo em tom agressivo:
_ O que é o que? Perdeu, perdeu, meu...
E colocou a mão na cintura, segurando alguma coisa que parecia o cabo de um revolver pequeno, tipo um calibre 22 ou uma garrucha. Estava elétrico, assim agitado e olhava se tínhamos valores. A companheira estava com uma sacola com nossos chinelos, mas era transparente e ele olhava examinando. Não percebi que ele segurou o pulso dela. Não me intimidei, estava firme e tranquilo, sem medo. Nem sabia que reagiria daquele jeito a um assalto. Agi racionalmente, duvidando até que fosse uma arma em sua cintura, dei um passo em sua direção querendo defender a parceira, percebendo agora que ele a segurava. Ele a soltou e pulou para mais longe. Falei, sem perceber muito o que falava:
_ Perdeu o que? Tem que mostrar, não é assim que vai levar. E emendei outras palavras sobre o crime que só quem já esteve envolvido conhece, para que ele me identificasse...
Segurando o que parecia o cabo da arma, foi se afastando, decepcionado. Não possuíamos nada visível que pudesse atraí-lo e dizia:
_ Desculpe ai, desculpe ai...
Nós fomos nos afastando também, observando em volta, mas rapidamente enquanto ele dizia que era da Brasilândia e eu respondi que era de São Paulo. Senti que quando ele ouviu essas palavras mágicas, percebeu que éramos turistas mesmo e parou, mas nós já estávamos nos distanciando e ele havia perdido a chance...
A parceira estava assustada e admirada de minha frieza no ato. Na verdade eu nem estava acreditando que fosse uma arma de fogo que estava com ele, poderia ser até uma arma, mas de brinquedo. Expliquei que quando afirmei que ele tinha que mostrar a arma e demonstrei que conhecimento da linguagem criminal, o sujeito começou a desistir. Quando viu que não trazíamos nada conosco, preferiu deixar quieto e até se desculpar. Provavelmente pensou que pudéssemos avisar a polícia e tentou suavizar para poder ficar por ali e pegar outros turistas mais incautos que nós.
Só à noite observando os jornais televisivos e vendo as rebeliões nas prisões de Natal, os ônibus queimados nas ruas, tiroteios, assaltos e a polícia correndo com as sirenes ligada no último volume, é que fomos nos assustar. A nós parecia que havíamos participado dos eventos como vítimas. Foi difícil voltar a fazer aquela caminhada novamente. Acabamos por fazer, mas não descemos à praia, andamos somente no calçadão. Natal estava sob domínio do medo; era o meu primeiro assalto depois que sai da prisão. Estragaram nosso passeio...
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Luiz Mendes
01/04/2015.