Para o pesquisador Jeffrey Smith, uma cadeia de interesses econômicos e políticos está por trás de cada uma de suas garfadas
Passou margarina no pão hoje? Não resistiu ao saco de batatas fritas enquanto assistia à TV? Mandou ver num filé à parmegiana durante o almoço? Em quaisquer dessas situações, você se regalou com algum tipo de comida transgênica. “A verdade é que o consumidor não sabe o que está comendo”, afirma à Trip o pesquisador americano Jeffrey M. Smith, um dos principais porta-vozes mundiais do movimento contra a comida geneticamente modificada. “Eu diria que, numa ida ao supermercado, mais de 60% dos produtos industrializados têm matéria-prima transgênica.” Segundo Jeffrey, cada garfada de uma refeição esconde uma cadeia internacional de interesses econômicos e políticos que acaba por estabelecer a qualidade do que se come hoje.
O pesquisador veio ao Brasil em maio para lançar a edição brasileira de seu segundo best-seller, Roleta genética (ed. João de Barro), resultado de mais de 20 anos de pesquisa com 30 cientistas independentes de diversos países. Na publicação, ele denuncia que a FDA (Food and Drug Administration), agência reguladora de medicamentos e alimentos dos EUA, e os governos dos 55 países que plantam ou consomem transgênicos, incluindo o Brasil, ignoram os riscos à saúde humana trazidos por esses produtos em pró de um mercado bilionário.
Guerra conceitual
Jeffrey não está sozinho. Além de contar com a parceria e militância do Greenpeace, ele tem suas acusações endossadas pela francesa Marie-Monique Robin, autora do livro e do documentário O mundo segundo a Monsanto. Em meio a uma série de denúncias (leia box), a cineasta mostra que a indústria biotecnológica tem duas estratégias de comunicação para lidar com as frequentes acusações: desqualificar qualquer tipo de interlocutor crítico e encaminhar a imprensa para entidades financiadas pelas próprias empresas.
Indicado à Trip pela Monsanto e pela Basf, produtores mundiais de transgênicos, o CIB (Conselho de Informações sobre Biotecnologia) é uma organização civil sem fins lucrativos formada justamente por representantes das empresas de biotecnologia e por cientistas de diversas universidades espalhadas pelo país. Alda Lerayer, a diretora-executiva, tem palavras duras para definir Jeffrey. “Os estudos apresentados por esse ‘Pinóquio da biotecnologia’ são falsos. Os organismos geneticamente modificados são iguais aos convencionais, não interferem na composição nutritiva do alimento.”
No mês passado a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei, que agora segue para votação no Plenário, obrigando a rotulagem de produtos com mais de 1% de matéria-prima transgênica vendidos nos supermercados. “Apresentei o primeiro projeto de rotulagem há dez anos”, afirma o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ). “Não existem registros científicos que comprovem os riscos à saúde humana. Nem estudos que comprovem não haver tais riscos. Assim, prefiro trabalhar com o princípio da precaução, deixando a critério da população se quer ou não comer transgênicos. Eu, pessoalmente, prefiro não comer.”
Cópula de laboratório
A biotecnologia contempla uma série de conceitos, mas definitivamente não é sexo. Enquanto na reprodução normal os genomas maternos e paternos contribuem com milhares de genes para a formação de sua prole, na engenharia genética ocorre uma espécie de cópula forçada, em que um único gene é removido do DNA de um organismo – geralmente planta ou bactéria – e inserido artificialmente em outro, como no da soja, por exemplo. Esse grão engenheirado foi lançado comercialmente pela Monsanto em 1996. Hoje, o mercado de soja corresponde a mais da metade da cultura biotecnológica mundial, ocupando 65 milhões de hectares nos dez países produtores. “Assim que a soja transgênica foi introduzida no Reino Unido, os casos de alergia à soja aumentaram cerca de 50%”, afirma Jeffrey, antes de emendar: “Esse vegetal contém, naturalmente, elementos alergênicos, mas que se encontram em número sete vezes maior no grão de soja transgênico do que no convencional. O processo de inserção de genes causa toda sorte de estragos no DNA e pode criar resultados imprevisíveis, que nós ainda não tivemos tempo de ver”.
Presidente da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), órgão responsável por liberar a comercialização de transgênicos no Brasil, Walter Colli defende a confiabilidade de tais produtos ao assegurar que “o DNA de um organismo geneticamente modificado será degradado durante o processo digestório, portanto será destruído pelo organismo. Não há perigo algum. Daqui a dez anos vai ser tudo transgênico”. No entanto, Jeffrey argumenta que, a partir dos anos 90, cientistas descobriram que uma dose significativa de DNA pode sobreviver ao processo digestório. E aponta em seu livro estudos com porcos, camundongos e pintos alimentados com milhos transgênicos que apresentaram fragmentos de DNA desses grãos na parede do intestino e outros órgãos, o que pode causar diversos danos à saúde, entre alergias, problemas de infertilidade e até câncer.
Os principais transgênicos cultivados no mundo são soja, milho e algodão, bases da indústria de alimentos humanos e rações para animais em todo o mundo. “A tendência é que no futuro só exista cultivo de transgênicos, essas sementes são cada vez mais adotadas pela agricultura mundial. Por mim, toda a agricultura mundial já poderia ser transgênica”, diz Rodrigo Almeida, diretor de assuntos corporativos da Monsanto.
Hoje o Brasil é o terceiro maior produtor de transgênicos do mundo, atrás dos EUA e da Argentina. O potencial da agricultura brasileira é enorme e as promessas das sementes transgênicas parecem irresistíveis a muitos agricultores. Exemplo é a adoção do milho Bt, com tecnologia da Monsanto, capaz de produzir uma proteína tóxica que mata larvas. A primeira safra brasileira foi colhida em fevereiro deste ano. “O milho mais sadio demanda menos medicamentos e dispensa o uso de máquinas agrícolas, emitindo menos poluentes e trazendo o que chamamos de benefícios secundários. Além de aumentar a produção na mesma área de plantio, sem precisar devastar mais florestas”, diz Ricardo Miranda, diretor de desenvolvimento tecnológico da Monsanto. “Antes de tudo, sou agrônomo, não um monstro.”
Dichavando os transgênicos
Para saber mais sobre o universo dos transgênicos, não existe uma introdução mais impactante do que o livro e o documentário O mundo segundo a Monsanto, da francesa Marie-Monique Robin. Neles, a jornalista denuncia um enorme esquema de corrupção, influência e ganância promovido pela indústria biotecnológica, revelado através de entrevistas com cientistas, políticos e agricultores.
“Controlar a nossa comida rende mais poder do que ter armas e bombas”, afirma a cineasta na narração em off. O filme mostra casos como o de pequenos e médios agricultores indianos de algodão que não encontram mais sementes convencionais para comprar, recorrem aos transgênicos (que custam quatro vezes mais), acabam se endividando e se matando. “Saiu no jornal inglês The Daily Mail em novembro de 2008: a cada mês, cerca de mil agricultores estão se suicidando na Índia, a maioria tomando os inseticidas usados no cultivo de algodão transgênico. É um genocídio”, afirma Jeffrey Smith.
Há também o caso das crianças mexicanas que, para ir à escola, atravessam plantações em que o milho natural polinizou com o transgênico e apresentam reações alérgicas na pele e dores de cabeça diárias. O livro O mundo segundo a Monsanto foi lançado no Brasil em dezembro de 2008, pela Radical Livros, com apresentação de Marina Silva, senadora e ex-ministra do Meio Ambiente. O documentário deve ser lançado em DVD por aqui, mas ainda sem data definida. Por enquanto, é possível assisti-lo na íntegra no YouTube, legendado em português e dividido em 12 partes de 9 minutos.