É sempre um prazer receber cartas de amigos de verdade. Às vezes, o prazer é daqueles tão grandes que dá vontade de dividir com todo mundo.
É sempre um prazer receber cartas de amigos de verdade.
Às vezes, o prazer é daqueles tão grandes que dá vontade de dividir com todo mundo.
A carta a seguir me foi enviada por meu querido amigo Ricardo Guimarães e depois de lê-la, você vai saber do que estou falando.
Caro Paulo,
Confesso que eu gostava de ter o John-John por aí. Um cara que podia muito e fez menos. Essa foi a impressão que ele me deixou.
Ele podia ir de carro, mas ia de bicicleta.
Podia casar com pompa e circunstância e casou simples.
Podia posar de filho de Jackie & John e nunca posou, ponto.
Podia se encostar nos milhões que herdou, mas ralava tanto quanto qualquer mortal.
Podia ter todas as mulheres do mundo e preferiu uma Carolyn.
Podia ter um jardim particular, mas preferia o parque público.
Isso tudo é muito admirável para a maioria de nós, que se mata correndo atrás de uns direitos e uns privilégios a mais. Tão admirável que sua morte foi um lamento geral, apesar de ele não ter feito nada de importante. Foi um lamento sincero e respeitoso.
Folheei várias reportagens de revistas e jornais americanos e não vi nada sensacionalista, nem uma notinha sequer brincando com sua vida. A imprensa e as pessoas estavam respeitando uma pessoa que, por opção de vida, foi menos.
Por que isso é tão admirável e respeitável? Parei na pergunta e comecei a procurar explicações. Achei várias. Uma delas é épica e você mesmo já mostrou quando citou o Saramago num editorial: Esta é uma época de dizer "Não" - de tanta coisa errada que estamos vivendo sem perceber.
Outra explicação é que o "Não" é a principal ferramenta para se esculpir uma identidade. E quando você tem um identidade qualquer, desde que genuína, é respeitável, admirável - como o nosso personagem tinha.
Na minha juventude passei por dois momentos que me ensinaram a importância do "Não". Um deles foi com um querido monge budista, que me contou a história de um artista que esculpia uma pedra enquanto um garoto muito atento observava seu trabalho. Na medida em que o escultor progredia em sua obra, ia aparecendo um lindo cavalo na pedra e o garoto ia se surpreendendo, se admirando, se encantando. No fim, o cavalo pronto, o garoto, extasiado, perguntou ao artista: "Como você sabia que ele estava aí dentro?" Sim, a revelação do cavalo se deu quando o escultor tirou da pedra tudo o que "Não" era cavalo.
Outro momento não foi tanto na juventude. Eu já tinha mais de 30 e estava na frente do meu primeiro mapa astral. Foi um choque tão grande que divido minha vida em antes e depois deste episódio. A astróloga, outra querida, falou sobre mim coisas que nem eu mesmo sabia. Todas verdadeiras. No começo fiquei inseguro, como se minha intimidade tivesse sido invadida sem permissão. Em seguida fiquei curioso e intrigado pela "Não" existência de planetas em várias casas no meu mapa. E pela concentração de planetas em algumas outras. Não entendo de astrologia, mas na hora entendi que onde tinha planeta havia potencial, dom e talento para me dar bem e onde não tinha planeta, não havia chance - podia investir o que fosse e nada ia vingar. Naquela hora, vi com nitidez quem eu "Não" era. Tive a sensação física de estar vestindo uma roupa sob medida, com um caimento perfeito e que me deixava elegante, tudo no lugar, nada sobrando. Conforto! Essa era a sensação e o sentimento.
Nunca mais me afastei desta lembrança como uma garantia de que o projeto RG estava ali, com aquela precisão. Essa clareza e essa precisão são necessárias na hora de fazer escolhas, porque é muito fácil descaminhar do seu projeto numa sociedade que só mede sucesso com conta de somar: mais é melhor, maior é melhor, mais rico é melhor, mais comprido é melhor, mais durável é melhor, mais poderoso é melhor.
Felizmente já existe uma nova contabilidade se instalando, que reconhece um valor extraordinário no "Não" e no "Menos". Dizem que, no fim das contas, essa contabilidade mostra um new bottom line tanto para as pessoas como para as empresas.
Chega ao ponto de reconhecer que Menos é Mais - quem foi que disse Less is More pela primeira vez? Isso é muito anos 60 - e que Mais é Menos. Por exemplo, John-John é um Menos que é Mais. E Donald Trump é um Mais que é Menos. Quer comparar no detalhe?
Então veja a quantidade de flores que o povo colocou agora na porta da casa do John-John em Tribeca, downtown New York. E imagine a quantidade de flores que vão colocar na frente da Trump Tower, na 5th Avenue, no dia em que Mr. Trump nos deixar.
Viu a diferença? Claro que viu!
Você e sua Trip são uns que navegam bem por essas águas em que Menos é Mais. Bem, chega de tietagem, que minha agenda está me esperando. Vamos ver o que eu "Não" vou fazer hoje. Tomara que não seja o nosso almoço. Se eu pagar a conta, será um menos que é mais.
Abraço. Saudades.
Ricardo