Menos Copa, mais escola

E se, em vez de construir estádios, levantássemos grandes centros culturais nas capitais?

E se, em vez de construir novos estádios, levantássemos grandes centros culturais nas capitais ou pulverizássemos bibliotecas pelas cidades pequenas do país, não seria mais produtivo? É óbvio que sim

A maioria das pessoas parece não ter consciência de que está com outras no mundo. Andam pelas ruas tal qual estivessem sozinhas na vida. É só chover para que as mulheres abram seus guarda-chuvas e sigam como se não houvesse mais ninguém ao lado delas. As varetas dos guarda-chuvas são armas e é melhor desviar para não ser ferido. No trânsito é parecido. Parte considerável dos motoristas sente como se os carros à frente e ao lado não devessem ali estar e as ruas fossem deles. Pensam que o mundo foi feito para eles; se acham o centro do universo, como uma criança. Ao pegar o ônibus para casa, quase sempre tenho que suportar brigas. Geralmente o motivo é gente querendo furar a fila. Os assentos reservados aos deficientes, velhos e mulheres grávidas estão sempre com jovens. Fingem estar dormindo para não se levantarem. No metrô, então, é uma loucura. Caso não se esteja atento, corre-se o risco de embarcar sem querer. Somos levados para dentro dos trens pela massa que empurra para entrar. O comportamento humano com os animais é de uma estupidez de fazer dó. Pegam para criar, depois jogam nas ruas. Batem, ferem e até matam os animais somente para se divertirem. A nossa irresponsabilidade para com os animais é desumana. É muita brutalidade e covardia. Isso pegando leve, para não falar dos linchamentos, das matanças e dos latrocínios que parecem tomar conta do país.

Isso tem me incomodado. Nos dez anos aqui fora, já me cansei de tanta deseducação. É profundamente deselegante. Pouco saio de casa e esse é um dos motivos. Eu, que saí da prisão depois de mais de 30 anos preso, é que deveria ser assim. Afinal, não fui educado e convivi em meio à brutalidade. Mas absolutamente não procedo desse modo. Estou sempre evitando atrapalhar, exijo de mim um respeito muito grande pelas pessoas. Não desfaço de ninguém e não sou portador de preconceitos (a prisão acabou com os que eu pudesse ter). Não sei dirigir nem quero aprender. É muito desrespeito no trânsito e isso o torna perigoso para mim. Não para mim exatamente, mas para quem pudesse estar no carro comigo. Fico me perguntando por que tenho esses cuidados que os outros não têm. A resposta é que gosto de estar em paz e me dar bem com as pessoas. Gosto de gostar delas e detesto brigar com elas.

RANKING INTERNACIONAL

Qual é a solução? Educação. Educar nossas crianças para que tenham consciência de si e dos outros desde cedo. Em pesquisa recente feita pela The Economist Intelligence Unit e pela Pearson International em 40 países acerca de aprendizado, ficamos entre os piores colocados, em 38º lugar. Precisamos investir de verdade, mesmo que para isso tenhamos que sacrificar outras coisas. Por exemplo: até que ponto a realização da Copa do Mundo é boa para o país e para nós, brasileiros? Claro, compromisso assumido é compromisso a ser cumprido; isso tinha que ser pensado e discutido antes. A Suécia, que é um país de primeiro mundo, se recusou a sediar a Copa. A nossa decisão pode ter sido precipitada e leviana. O gasto para fazer cinco estádios-arenas é incompatível com o ganho para o país. Já morreram nove operários na construção dos megaestádios. A Fifa não poderia ter isenção fiscal. É muito capital em jogo, são milhões de dólares que um país com tantas deficiências não poderia renunciar.

E se, em vez de construir estádios, levantássemos grandes centros culturais nas capitais ou pulverizássemos bibliotecas pelas cidades pequenas, não seria muito mais produtivo? É óbvio. Certa prefeitura suspendeu a realização do Carnaval deste ano para usar a verba em necessidades urgentes da cidade. O que tenho a dizer é evidente: quando as pessoas compreenderem que a escola, o hospital, o conservatório musical, o centro cultural e a biblioteca são mais importantes do que estádios de futebol, então talvez tenhamos chance de melhorar o nosso índice de aprendizado nos medidores internacionais. E, quem sabe, fazer o improvável: construir um comportamento mais educado e inteligente em nossa população.

*Luiz Alberto Mendes, 60, é autor de Memórias de um sobreviventeSeu e-mail é lmendesjunior@gmail.com


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