Maquiavel às avessas

por Redação

Nova York em dias de high alert

Abro o New York Timese leio que o governo americano (que corretamente eles chamam de Admnistration e não de Government, já que government são todos os Três Poderes) informa ao país que seus cidadãos devem ficar em high alert diante da ameaça terrorista.

Veja, não é só em alerta. É em high alert! Romário na área. Alerta máximo, protege o gol! Ligo a CNN e há lá, no canto esquerdo do vídeo, um bonito logozinho pra você não se esquecer, enquanto frita os ovos e adiciona o bacon, que o país está em high alert, em posição de alarme. 

É importante frisar que não é só às forças armadas que o governo Bush pede atenção total. Não é somente também à CIA, ao FBI ou às milícias estaduais. Não é tampouco apenas aos secretários de Estado, aos homens do Congresso, aos juízes e promotores. Não.

O presidente, em entrevista coletiva, pede, implora, quer de qualquer jeito que o cidadão comum, esse que come pizza no almoço e vê Friends na TV, esse cidadão que masca chiclé e fuma escondido, que diz I love You em lugar de goodbye, esse sujeito com sobrenome Smith, Larry ou Schwartz deve, a partir de agora, ficar em alerta. High alert

Fico pensando, já que me proponho ser um educado estrangeiro vivendo em terra alienígena, como posso contribuir pra ficar em high alert e, assim, ajudar meu país hospedeiro a evitar as mazelas terroristas. Como, contudo, sou apenas um cidadão comum, contribuo na medida do possível.

Então, hoje, por exemplo, resolvi exercitar os conselhos do presidente. Neva bastante de manhã. Como eu estava já em high alert, tomo muito mais cuidado que de hábito pra atravessar a rua e não escorregar na esquina. Um motorista-terrorista não teria perdão em passar por cima. Dou lentos e medidos passos de alerta. Logo depois, já indo ao trabalho, enquanto esperava o metrô, dei dois discretos passinhos pra trás da faixa limite, afinal, o alerta é máximo e o risco de um terrorista na retaguarda não deve ser descartado.

No trabalho, não abri e-mails de quem não conhecia. Me mantive alerta. Telefonemas de gente com nome estrangeiro, nem pensar! Estou em alerta! Correspondências da ConEdison, a companhia de eletricidade americana, me chamando pra pagar a continha? Pode ser um truque. Anthrax no correio. Melhor não, vou esperar passar o estado de high alert.

Vou marcando pontinhas de cidadania durante o transcorrer do dia, em estado de alerta total, numa grande união nacional para o "alertismo", essa nova corrente da moda lançada por Bush, o filho.

Me vem então à memória, sem descuidar do meu constante estado de alerta, aquelas aulinhas de história, quando me contaram que os Medici, entre outros ensinamentos recebidos, aprendiam com Maquiavel, o Condolezza Rice da época, que era preciso lançar ao povo a notícia de que o pão subiria 300%, quando o percentual desejado era somente 100%. O boato virava realidade descontada e, então, havia um regozijo geral entre a plebe. E o objetivo estava alcançado.

Incapazes de saber onde, quando e em que proporção um possível ataque terrorista poderá ocorrer em solo americano, a incompetente Administração Bush solta seus gritos de alerta. A diferença com o truquezinho maquiavélico e sua deturpada versão moderna em forma texana é que lá o resultado escondia um desejo planejado, as garras de uma aristocracia pronta pra arrancar um maior pedaço da torta. Aqui, é jogo na defesa.

Não passa de uma patética maneira de uma perturbada e desinformada administração se proteger de uma opinião pública reticente e desconfiada. Em caso de dar tudo errado, o dedo apontador e acusatório, agora covardemente no ataque: "A gente bem que avisou, não avisou?".

Decididamente, com Bush, só ficando em alerta. High alert...

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