por Redação

Como descobrir uma verdadeira mulher nova-iorquina

Manhattan, pra quem não sabe, é uma ilha. Costumam chamá-la também de Nova York, mas tecnicamente não é. Confunde-se a parte com o todo, pois Nova York compreende a ilha de Manhattan, mas abarca também o Brooklin, tem espaço para o Queens e, claro, curva-se diante do temido Bronx, todos esses fora da ilha.

O nova-iorquino típico gosta de falar que não é de Nova York, mas sim de Manhattan, e que o resto é a turma do "B&T" (bridge and tunnel; ponte e túnel), numa deferência a moços e moças que cruzam diariamente pontes e túneis em busca de pão e diversão em Manhattan. Mas dentro dessa ilhota há também outras divisões, pautadas pelo alinhamento geográfico e muito reveladoras da personalidade nova-iorquina.

Politicamente falando, por exemplo, quanto mais ao norte se anda, precisamente do lado leste ("upper east side"), mais republicana a cidade fica. No Brasil, a palavra "republicano" significa "neoliberal" ou "de direita", ou qualquer outro nome que o PT escolha para os seus adversários, dependendo da eleição.

É aí, pois, que os pró-Bush se reproduzem, comem e tiram cochilo no fim da tarde. É a casta judia e protestante da cidade. Quanto mais ao sul, mais multiétnica a cidade fica, mais permissiva e mais democrata também. E "democrata" aqui significa PT, PSDB e toda turma de centro-esquerda no Brasil, além de gente como João Mellão Neto e amigos.

Em minha modesta opinião, os verdadeiros nova-iorquinos, ou seja, os americanos que menos retratam a caricatura americana, aqueles que sabem que Buenos Aires não é a capital do Brasil, os caras mais open-minded, os que apóiam a união gay e fumam marijuana nos fins de semana, moram ao sul da ilha. Há exceções, evidente, e nem é preciso falar disso, pois na regra a exceção vem contida. Mas no geral é isso que ocorre.

Como nossas escolhas políticas são extremamente reveladoras de nossa personalidade, as atitudes também mudam. Mulheres do upper east side, por exemplo, não são as mesmas que as de downtown, o sul da ilha. Lá pra baixo, há menos maquiagem e um pouco mais de rebolado. O tom de voz é mais melódico, o olhar menos disperso e, se bobear, ela até te paga um drinque, antes mesmo de você oferecer algo em troca. Lá ao sul, cabelos soltos são bem-vindos, saias jeans são aceitas e ausência de sutiã é permitida.

Tudo bem diferente da turma do norte. A moça do upper east side é logo descoberta, mesmo que esteja em um lounge lá embaixo, em downtown. De longe, sentada no bar, já se percebe. Uma conversa rasteira prova que o seu pré-conceito em relação a ela (separado mesmo) é, na verdade, um conceito muito bem acabado. A mulher do norte da ilha usa expressões clássicas.

Vale-se de frases soltas de interjeição, usadas como muletas semânticas pra enganar o intelecutor, que pode achar que são legítimas e espontâneas formas de emoção. Geralmente vem em frases como: "You did?", "You're kidding!", "Really?" e, a mais cobiçada delas, "Amazing!!!" (expressando admiração). Além disso, faz repetidos movimentos laterais com a mão, dando rápidas paradinhas no ar, em perfeita consonância com as frases dispersas. Sob o aspecto visual, o clássico e previsível carregar na maquiagem, o uso do botox às baciadas, o silicone a tiracolo e o hábito religioso da malhação diária na academia.

Às vezes, porém, tudo isso pode lhe enganar. Pode ser uma moça de downtown, passando-se por menina do upper east side, louca pra fisgar um desavisado. É preciso, portanto, recorrer ao teste definitivo, já que o conhecimento do eleitorado é imprescindível nessas horas. Por isso, faça o teste decisivo: olhe nos olhos da gringa. Se a expressão for gélida e os olhos forem como o olhar de um tubarão, congelado e sem expressão, você, meu amigo, está com uma legítima nova-iorquina do upper east side. Sem alma ou bossa. No doubt about that. Tem então duas alternativas.

Diga que vai ao banheiro e pegue o táxi na esquina, sem dores ou remorsos, ou peça mais um drinque que elas tomam, um cosmopolitan, e aceite as circunstâncias, adicionando a noite ao rol das experiências antropológicas e curriculares. A segunda escolha terá conseqüências. Apesar de formalmente em companhia, você, meu velho, está na mais séria de todas as solidões: a solidão acompanhada. Capriche no drinque, a noite será longa.

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