Cadão Volpato discorre sobre o adeus do Fellini e a diferença entre ele e Frank Sinatra
Uma das principais bandas alternativas brasileiras nos anos 80, o Fellini se despede deste mundo cruel. Mais uma vez. Dessa vez parece ser definitivo, segundo o que diz Cadão Volpato (vocal e gaita) em entrevista à Trip. Ou pode ser que não, pode ser mais uma “jogada de marketing” de uma banda que sempre foi independente e deu adeus já no seu primeiro disco (O Adeus de Fellini, de 1985). A mistura de pós-punk e música brasileira tem data para acabar. Com dois shows marcados pela frente – em São Paulo no dia 22 e Curitiba no dia 26 de julho, Volpato conta que a internet foi usada para escolher o repertório e faz uma avaliação dos 25 anos de carreira da banda.
Porque o adeus derradeiro do Fellini agora? Por que não antes ou depois?
É um golpe de marketing [risos]. Brincadeira, vou explicar: a gente não toca desde 2003, quando a gente fez o TIM Festival no palco principal. Em 2007 eu fiquei pensando: “pô, vai fazer 25 anos, uma data redonda, não seria bacana a gente se encontrar?”. Somos muito cobrados ao longo dos anos, desde que [o Fellini] virou cult nos anos 90, “pô, quando é que vocês vão tocar?”, “vão voltar?”. Não se trata de uma volta, não existe essa possibilidade, não está nos planos, porque o Thomas [Pappon, baixista] mora em Londres, ele é radicado em Londres, e uma banda não existe se o principal compositor mora em Londres. É um adeus por isso, porque você nunca sabe quando vai voltar a tocar. O meu feeling é o de que dificilmente a gente vai se encontrar de novo.
Então não é de fato definitivo.
Você nunca sabe. Eu já falei que era definitivo uma seis vezes. As coisas são assim mesmo com o Fellini.
Depois de 25 anos, como foi fazer rock no Brasil?
Fazer música no Brasil é uma coisa meio difícil. Olhando para trás com um olhar mais crítico eu digo: valeu a pena ser independente do ponto de vista espiritual. Do ponto de vista financeiro é inócuo porque a gente jamais ganhou dinheiro com o Fellini. O único cachê real que tivemos na vida foi no TIM Festival. Valeu lutar por aquilo que a gente acreditava. Sempre tivemos e escrevemos exatamente o que a gente quis. Nunca houve uma pressão para que a gente fizesse assim ou assado. Fizemos exatamente o que a gente quis, com toda a liberdade possível. E liberdade é uma coisa essencial para a criação. Foi uma coisa difícil, a banda acabou muito em função disso, de tanto remar contra a maré; durante seis anos ensaiando toda a semana sem saber exatamente por quê, gravando discos com os quais não se ganhava dinheiro, fazendo contratos ridículos que não nos davam nada e não vivendo de música – que é uma opção natural no Brasil. Se a gente vivesse na Inglaterra hoje, [o Fellini] seria uma banda respeitada.
Vocês nunca cogitaram uma turnê pela Europa? Existe um público lá. Uma das suas músicas chegou a tocar no programa do John Peel [disc-jóquei da rádio BBC].
Ah, cara, a gente está batendo nos cinquenta anos, isso não existe mais. Imagine você velhinho viajando e fazendo gigs... Eu vi a turnê do David Byrne, é de rolar de rir. Ele pula de Varsóvia [capital da Polônia] pra Moscou no dia seguinte, de ônibus [uma distância de aproximadamente 1.200 quilômetros]. Meu, não rola . Imagina você tocando em uns pulgueiros em Amsterdã, nem pensar, isso não existe! A vida de músico é muito dura, a não ser que você seja o Frank Sinatra. Como eu não sou o Frank Sinatra e ele já morreu, não existe a menor possibilidade . E ainda por cima, tô resfriado, como Frank Sinatra estava quando o Gay Talese escreveu sobre ele [risos].
Conte a história do show ter sido montado com a colaboração dos fãs, pela internet.
Existe uma comunidade do Fellini no Orkut que fica discutindo o sexo dos anjos. Eles fizeram umas eleições das músicas favoritas e fomos lá e simplesmente pegamos [as escolhidas]. E aquelas eram de fato as mais bacanas de tocar. Escolhemos as músicas que de fato gostamos de tocar, as que não poderiam faltar e acrescentamos duas surpresas, que abrem e fecham o show e que nós só tocamos uma vez na vida. Partimos do gosto popular e enfiamos os elementos “fellinianos”.
Algum comentário a respeito do fato de que o Fellini vai “encerrar” a carreira no Studio SP, um lugar conhecido por receber música nova?
É engraçado, é um paradoxo, mas a gente sempre viveu de paradoxos [risos]. É uma característica [nossa]. Começamos dando adeus. Faz todo sentido porque é uma das melhores casa de São Paulo para tocar. Em 2005 eu inventei uma carreira solo e descobri a indigência que era tocar em São Paulo e isso não mudou muito. Ou você é grande ou você é pequeno, não existe o mediano. Então, pô, é uma dádiva ter uma casa como o Studio SP porque você tem condições, tem público, coisa rara. Passei por uns pulgueiros naquela época que eram inacreditáveis. Pensei “nunca mais, não quero mais tocar na vida”. Se você não toca no SESC, você tá frito.
Então não mudou muito em relação aos anos 80?
Nos anos 80, vou te dizer, tinha mais possibilidade. Tinha um monte de casas florescendo em cada esquina – que fechavam no dia seguinte, mas elas aconteciam. Eram lugares mais adequados ao nosso espírito, uma coisa mais punk. Agora, hoje em dia é uma indigência que não tem sentido. As casas não oferecem a menor condição, equipamento, um dinheirinho que seja de ajuda de custo... Você vai lá tocar de graça, é sempre ridículo, sempre parece que estão te fazendo um favor. Em qualquer lugar da Europa, isso não rola. Por mais que as pessoas insistam, não é uma cidade da Europa.
E vão ser só esses dois shows [em São Paulo, dia 22 de julho, e em Curitiba, dia 25]?
Nossa turnê mundial termina em Curitiba, no sábado [risos]. Lá, a gente vai tocar num festival de [bandas] independentes, o que também faz todo o sentido. Nós somos uma espécie de vovôs independentes.
Vai lá: confira os detalhes sobre as apresentações do Fellini no blog Vai Lá.