Dinheiro, poder, status, fama... você consegue viver com MENOS?
Talvez a história da vida de John Robbins seja um exagero. Primeira parte: rompe com um império familiar de ice cream dollars, regado a gordura vegetal hidrogenada, e parte deixando para trás uma montanha de dinheiro e um corpo improdutivo. Segue à procura de uma vida mais equilibrada, mergulha em estudos ao longo de anos e, por fim, desvenda boa parte dos segredos da saúde através da alimentação inteligente. Elabora uma tese sobre o assunto, coloca-a num livro bem estruturado que se transforma num best-seller, evidenciando, entre outras coisas, um dos sintomas mais visíveis da doença consumista que assola os Estados Unidos e boa parte do mundo. Faz fortuna com o livro e seus desdobramentos, continua vivendo num lugar relativamente simples, de forma espartana. E aplica todos os seus rendimentos num fundo que prometia não só preservar, mas multiplicar o capital que serviria para garantir sustento e tratamento de seus netos nascidos com danos cerebrais graves. Perde todo seu patrimônio, incluindo a própria casa, nas mãos de um dos maiores escroques da história do capitalismo e parte para escrever um novo livro contando como sua vida de fato melhora, em vários aspectos, depois que os excessos materiais lhe são obrigatória e compulsoriamente subtraídos. OK, talvez estejamos falando de um caso extremo. Mas as parábolas servem mesmo para fazer o ponto.
Mesmo sem necessariamente romper com famílias, com o consumo, com o material, há multidões de pessoas de todos os tipos e de todas as partes repensando veementemente o que fazem com e de suas vidas. Pode até ser que estejamos presenciando o movimento que o prêmio Nobel da Paz de 1989 batizou de revolução espiritual. Muitos anos atrás, quando começou a repetir que havia algo claramente enganoso na ideia de que consumir e acumular aplacariam todas as angústias do indivíduo e debelariam as desigualdades do coletivo, o discurso soava para muitos como idealismo ingênuo e utópico. É da condição humana. Precisávamos sentir na própria carne. Mergulhamos com todas as forças num sistema competitivo insano, sofisticadíssimo e intrincado, através do qual milhões e milhões de pessoas conquistaram, em diferentes níveis, o que se pode considerar uma quantidade mais do que razoável de riquezas e bens materiais. Parece que não funcionou. Desequilíbrio, desigualdade, conflitos, degradação dos espaços e do ambiente, incertezas e crises de proporções inéditas batem por todos os lados.
NOVA ONDA
Esta edição da Trip põe-se a observar traços muito claros de que há uma onda silenciosa de "repensamento". E ela se manifesta, como sempre, de forma diversa.
Na maneira doentia como dirigimos nossos carros pelas ruas do Brasil; no desespero das corporações que veem os talentos saindo cada vez mais pela porta (sem olhar para cargos, poder e dinheiro que ficam para trás), em busca de uma causa ou qualquer coisa que vá além de um plano de bônus + "benefícios"; no sujeito de origem simples que troca opções arrojadas de vida por uma vaga de ajudante num trailer servindo lanches a turistas na praia; ou no camarada que se alista nas linhas da Legião Estrangeira.
Isso sempre existiu? A chamada contracultura propunha exatamente isso? Talvez fossem apenas manifestações isoladas ou movimentos que acabaram engolidos pela eficiente proposta do século passado que pedia vidas em troca da felicidade em forma de patrimônio e consumo. Mas a onda agora parece ser muito mais poderosa e consistente, juntando gotas de todas as origens e contornos e crescendo em tamanho e força inéditos.
Você vai surfar?
Paulo Anis Lima, editor