Mainstream com espírito independente

por Cirilo Dias

Hélio Flanders, vocalista do Vanguart, diz não estar preocupado com pressões de gravadoras

“Aquele foi o segundo show da história da banda, era um mundo novo”. O show em questão foi durante o festival goiano Bananada, em 2005, onde o então desconhecido Vanguart surpreendeu a todos com seu folk rock. E o “mundo novo” citado pelo vocalista Hélio Flanders, era apenas o início da uma carreira promissora de uma das bandas mais criativas e consistentes da cena independente brasileira.

Quatro anos depois, um disco lançado, uma legião de fãs conquistados, Flanders e seus companheiros David Dafre (guitarra e voz), Reginaldo Lincoln (baixo e voz), Luiz Lazarotto (teclados) e Douglas Godoy (bateria), aproveitam a bonança conquistada a duras penas no circuito independente, e celebram a maturidade com o DVD/CD Registro Multishow: Vanguart, primeiro disco em parceria com a major Universal.


Para falar sobre esse novo caminho musical da banda e um pouco da labuta do grupo, conversamos com Hélio Flanders, que dá o recado: “Estou pouco me fudendo sobre o que vão falar, de ser um disco de gravadora e tal. Não é um best of bunda mole”

Não é meio perigoso lançar um DVD/CD ao vivo tendo apenas um disco de estúdio gravado? Pode dar a entender que rolou uma pressão da gravadora, não?
Cara, eu estou muito tranqüilo quanto a isto, porque na verdade o dvd tem 21 músicas, o cd tem quatro músicas inéditas, duas músicas dos EPs. É muito mais uma contextualização do que é o Vanguart de uma maneira que a gente não pôde fazer antes. Você tem algum disco do Vanguart?

Eu tenho...
Você tem porque foi nos festivais e ganhou o disco lá. Eu não tenho nenhum disco, aquele saiu pela [revista] Outra Coisa, porque fui distribuindo, e quase ninguém tem esse disco. Este registro do Multishow foi uma maneira de trazer essas músicas de novo, gravar, finalizar da maneira como as músicas deveriam ser, ao vivo. Honestamente, eu estou pouco me fudendo sobre o que vão falar, de ser um disco de gravadora e tal. Não é um best of bunda mole. A gente ia gravar um dvd de qualquer maneira, com câmera guerrilha, quatro amigos filmando, usar umas paradas tipo Super 8, só que era muita grana. Aí rolou o lance do Multishow e da Universal e a coisa virou um produto maior e fizemos algo com uma qualidade que a gente nunca poderia ter feito antes.

Eu vi vários shows de vocês antes de ouvir o disco de estreia, e a sensação foi de que faltava aquela coisa visceral das apresentações. Com esse lançamento agora, está rolando das pessoas assistirem o dvd, ir ao show depois e não ficar com a sensação de que falta alguma coisa?

Está rolando, muitas pessoas chegam pra gente e falam que nossas apresentações ao vivo são muito foda. Eu já sou suspeito para falar do disco, pois produzi ele e não se mais se está bom ou ruim. Tem horas que eu elogio bastante, o que pode ser perigoso, mas só o fato de ter um show registrado, com aquele feeling dos palcos, já vale mais do que um som redondinho. Tem erros na gravação, a minha voz falha, o David [guitarrista] erra de forma grotesca na segunda música, mas a gente quis que fosse assim.

E cada vez mais os fãs têm feito filas para ver os shows de vocês. Consegue explicar isso?

Internet, muito show e o boca a boca do pessoal.

Já aconteceu de você subir no palco e não acreditar em estar diante de uma plateia gigantesca?

Eu sempre procuro pensar que o negócio não ficou grande, procuro sempre manter a mentalidade de estar tocando no meu quarto. A Virada Cultural do ano passado, por exemplo, foi surreal. A gente estava vindo de umas viagens quebradeiras, sem dormir, cansadíssimos e ver aquel multidão cantando “Semáforo” foi inacreditável. É muito louco isso, porque comecei a tocando no quarto de casa, cantando baixinho, sussurando, e de repente a coisa muda. É a redenção do ser humano.

E você prefere tocar em lugares abertos como na Virada Cultural ou em teatros?
Porra, teatro é lindo, nós vamos lançar o disco em um teatro. O silêncio é fundamental nas músicas, tem que ser a antítese do público cantando, é muito louco, fica um contraste legal...

“Estou pouco me fudendo sobre o que vão falar, de ser um disco de gravadora e tal. Não é um best of bunda mole”


Vocês já estão há dois anos morando em São Paulo. Durante este tempo teve aquele momento em que vocês pensaram em desistir e pegar o rumo de casa?
Todos os dias a gente encara esses momentos...[risos]. Cara, a gente estava morando os quatro em um apartamento, o David morando com a mãe dele que tem casa aqui em São Paulo. E era sinistro. Tinha um colchão de solteiro, um sofá cama de casal com um buraco no meio e um bag de teclado que a gente juntava os lençóis e fazia uma caminha, quem chegava por bêbado por último dormia nela. Não tinha cortina, o sol comendo, foi muita loucura os primeiros dias.
Quando deu uma baixa na correria e a gente estava aqui, se alimentando de salgado de padaria todo dia, teve um momento que a gente ia ficar aqui para fazer um show, e metade da banda falava “bicho, cancela o show, não dá mais”. Um mês e meio sem grana, no limite, foi sinistro. Mas eu falei “jamais cancelaremos um show por saudades de algo ou alguém”.

Agora que vocês estão com o apoio de uma grande gravadora, rola a famosa pressão por parte deles ou é lenda?
Cara, eu acho que existe pressão, mas não conosco. Sei de muitas bandas que sofrem pressões absurdas, mas a gente entrou um respaldo legal, pois viemos do independente com uma postura de deixar claro que íamos produzir os álbuns, fazer a parte musical. Fomos muito claros na hora de assinar o contrato, não tivemos papas na língua. O cenário independente hoje é uma realidade e acho que as gravadoras estão mais compreensivas de que vale a pena manter um artista que está acontecendo à sua maneira, do que um artista que ele vai apostar todas as fichas e correr o risco de não durar. Não estamos falando de ir no Faustão, e sim de um cara obrigar a banda a gravar com alguém, ter um timbre mais radiofônico. É legal deixar claro que o pessoal da [gravadora] Universal é muito respeitoso com nossa direção musical.


Qual artista você gostaria de gravar ou cantar junto hoje?

Posso falar qualquer um mesmo?

Pode...
Maria Bethânia. Gostaria de compor uma música pra ela

E quando vai ser o lançamento do Multishow Registro: Vanguart?

Dia 25 de abril, no teatro do Colégio Santa Cruz, em Pinheiros, São Paulo (SP). Show no teatro, mais cedinho, a galera sóbria...

E você como bom torcedor do Corinthians, está aproveitando sua morada em São Paulo pra acompanhar os jogos né?
Claro. O jubilo de todo corintiano é praticamente a sensação do gol do Baltazar em 1977. É lavar a alma, a redenção do fracasso, da ironia do preconceito, da burrice de direita, Mainard... [risos]

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