Mães de maio, dezembro, janeiro...

Luiz Alberto Mendes: ”Como tenho um passado, fico preso em casa à noite”

A recente matança de policiais e pessoas supostamente ligadas ao crime parece a repetição de um filme. Em 2006, centenas de pessoas foram executadas na "guerra ao PCC". Foi a impunidade naquele ano que ensejou os assassinatos

A situação em São Paulo está insustentável. Na região onde moro, pessoas estão sendo assassinadas como moscas. Dois colegas de escola de meus filhos foram mortos. Rapazes daqui do bairro apareceram mortos a tiros. Fiquei preocupado com meu filho que chega tarde do trabalho. Depois soube de abordagens policiais que resultaram em mortes. Em seguida, houve a denúncia do delegado geral de que havia consultas sobre antecedentes criminais de pessoas assassinadas. Como tenho um passado, fico preso em casa à noite.

Parecia que assistia à repetição de um filme. Em 2006, embora não tivesse nada a ver com o que acontecia, também tive que ficar preso em casa. 493 pessoas foram mortas logo depois de 43 agentes públicos terem sido assassinados de 12 a 20 de maio de 2006. Foi impressionante até para quem trabalha na área. Centenas de pessoas foram executadas e tudo foi juntado em um pacote chamado de “Guerra ao PCC”, como se tal afirmativa justificasse a matança ocorrida. Sobraram as Mães de Maio. Essas mulheres/mães, quase já sem voz, brigando por justiça pelo assassinato de seus filhos. A cúpula da polícia tentava ocultar a corrupção policial, que chegou ao cúmulo de sequestrar parentes e cobrar resgate de presos, e fazia vistas grossas para as execuções sumárias efetuadas por policiais. A tal Operação Castelinho é o relato assombroso da letalidade dos agentes públicos. A impunidade estava garantida. Ninguém pagou por tantas mortes. Nada aconteceu.

O ex-secretário da Segurança do estado, homem de formação rígida, duro como pedra e tendente ao confronto, agora pressionado, errou ao decidir. Mandou a Rota resolver o início do atual conflito. Esses policiais não têm formação para atuar nesse nível. Foram treinados para combate extremo, confrontos armados em que a morte é quase sempre a consequência. Representam a primeira linha de combate do estado. Não é de sua competência. Ficou claro que a polícia civil, credenciada para investigar, estava desacreditada. É então que começa a matança. Policiais são assassinados, como dezenas de pessoas supostamente ligadas ao crime. Colegas e amigos dos policiais executados, revoltados, saem matando mais que a peste na periferia.

Impunidade

No momento, a Corregedoria da Polícia Militar investiga 356 casos de mortes suspeitas praticadas por policiais em 2012. O protesto desesperado da população por conta da morte de um rapaz por soldados no bairro do Jaçanã transforma-se em tragédia. Dois ônibus são queimados pela população revoltada e duas pessoas morrem carbonizadas dentro de um deles. As chacinas não são raras. Os feridos, em grande número, carregados pelas viaturas, chegam mortos aos hospitais.

O secretário da Segurança não teve alternativas. Baixou portaria determinando que, em casos graves de violência, as vítimas só podem ser atendidas e transportadas pelo Samu. Também a classificação das ocorrências policiais com morte mudou de “resistência seguida de morte” para “morte decorrente de intervenção policial”, um pouco mais realista.

De quem é a culpa? Bandidos cruéis e destituídos de humanidade; policiais corruptos e assassinos; ou governantes incompetentes que se colocam acima da lei, omitindo informações e errando desastrosamente? E quem vai pagar por isso? Uns poucos soldados mais azarados, pegos em flagrante por câmaras ou testemunhas; o secretário da Segurança que perdeu o cargo; pessoas já aprisionadas, que vão cumprir pena em regime ainda mais opressor?

O que não pode acontecer é as mães de novembro, dezembro e janeiro/2012 e 2013 agora se juntarem às Mães de Maio/2006, por não conseguirem justiça à morte de seus filhos. Não resta dúvida de que foi a impunidade vista em maio/2006 que ensejou as matanças que ainda hoje ocorrem na periferia. Caso falte novamente a punição aos culpados, teremos matanças periódicas, talvez cíclicas.

Tudo depende de como isso for processado. Caso os reais culpados sejam condenados, e assim fique claro que todo (sem exceção) assassinato será severamente punido, talvez tenhamos uma chance de paz para o futuro.

*Luiz Alberto Mendes, 60, é autor de Memórias de um sobrevivente. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com

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