por Luiz Alberto Mendes

”Penso que coragem é algo que se constrói para enfrentar os obstáculos que a vida nos oferece”

Depois de viver em situações limite em que coragem era quase tudo o que se tinha para poder encarar, fico pensando no que consiste a coragem. Para começar, creio que em si, ela não existe. Coragem mesmo, além do medo, do receio de não dar certo, sem preocupações com resultados, só os psicopatas possuem. Eles não ligam para nada. Conheci alguns em mais de 31 anos de prisão, mas posso dizer: são poucos, muito poucos. Conheço mais personalidades psicopáticas, pessoas que surtam de vez em quando, mas que não procedem assim o tempo todo de suas vidas. Por exemplo: Chico Picadinho. É um homem preso de conduta exemplar. Não faz nada de errado. Pinta como um artista, embora não saiba criar, apenas copiar. Culto ao extremo; creio que pouquíssimos psicólogos tenham o conhecimento que ele tem na matéria e correlatos. Uma conversa muito agradável, sorriso fácil e de modo algum deixa transparecer sua loucura. Andamos juntos nos pátios da extinta Penitenciária do Estado por anos a fio, conversando, e posso dizer que aprendi muito com ele.

Não creio que alguém seja especialmente corajoso; penso que coragem é algo que se constrói para enfrentar os obstáculos que a vida nos oferece. Há um samba que diz que "na mão de um fraco sempre morre um valente"; vi muitos valentões sendo assassinados por pessoas que até então, pareciam medrosas e covardes. Aprendi a respeitar os mais fracos: eles são mais perigosos. O homem, quando colocado em posição em que não vê saídas, vira um leão. Eu mesmo sempre fui pequeno, frágil, mas aprendi a me tornar perigoso para o ambiente em que vivia. Não posso dizer que sempre fui respeitado porque sempre aparecia alguém querendo tirar vantagens e medir minha "febre". Quando não conseguia manobrar as coisas com inteligência (sempre tive meus aliados), me preparava para extremos. Tive grandes amigos que sempre me protegeram. Eles me admiravam em minha opção pelos livros e minha obstinação por aprender. Mas eu precisava sempre fazer minha parte: enfrentar, encarar. Então eles me apoiavam.

Há um outro tipo de coragem. Aquela da persistência de, mesmo que tudo estiver contra, seguir em frente com seus objetivos. Construí em mim uma resistência sem perceber, eu só queria ser culto, conhecer com profundidade e estar muito bem fundamentado. Quis, para tanto, aprender filosofia. E não havia como: sem que ninguém me explicasse, sem conhecer o vocabulário e conseguindo livros sem sequência. Acho que foi (e ainda é), uma das batalhas mais difíceis e até cruéis que travei em minha vida. Precisei ser inclemente, exigir o máximo de mim. Há páginas que estudo até hoje a fim de entender 100% delas. Filósofos que me bateram na cara, espancaram o raciocínio, humilharam e humilham até hoje, colocando minha auto-estima lá na sola do pé. Hegel, Heidegger, Marx são apenas alguns deles. Tenho um sentimento misto de amor e ódio por cada um deles. Houve momentos que eu os estrangularia caso aparecessem em minha frente. Noutros, beijaria seus pés em atitude de admiração e louvor. Só agora, na maturidade (para não dizer velhice) é que consigo enxergar a genialidade deles. São deuses! Até para chamá-los de Mestre é difícil, pois a honra de ser discípulo de um homem desses esta acima de mim, pobre mortal...

Precisei de muita coragem em minha vida. E o pior que ainda, aos 64 anos, continuo necessitando de toda coragem do mundo na minha luta contra o câncer. Em cirurgia recente (ainda estou com os pontos), tirei um tumor, mas a possibilidade dele retornar é de 50%. O que devo fazer? Torcer para que não volte ou me preparar para o retorno? Otimismo ou coragem? Dá para ter otimismo e coragem ao mesmo tempo? Vê em que situação limite ainda estou metido?

fechar