LEIA SE FOR MOLEQUE
Skate foi, é, e provavelmente sempre será associado à imagem meio infantil de um moleque botando prá baixo numa ladeira
Por Redação
em 21 de setembro de 2005
Skate é coisa de moleque. Por mais que haja campeonatos superprofissionais televisionados para o mundo inteiro, que o Bob já possa ter mais de um milhão de dólares no banco, skate foi, é, e provavelmente sempre será associado à imagem meio infantil de um moleque botando prá baixo numa ladeira.
Sábado passado, dia 3 de junho do ano 2000, tirei a poeira do meu Sector 9 e fui até a ladeirinha que fica entre a Vila Madalena e o Sumaré, perto da João Moura e da Heitor Penteado. Vi muita coisa que me chamou a atenção. Um garotão magrinho que não fazia nada além de descer reto num gás absurdo, quase incontrolável, e depois subia a rua sem falar com ninguém, um outro de camisa xadrez que literalmente surfava com seu longboard fazendo manobras tão precisas de surfe que dava prá ver a água espirrando em leque dos seus cut backs. Mas o que mais me chamou a atenção naquele fim de tarde foi a quantidade de caras com mais de trinta, vários até beirando os quarenta, completamente focados nos slides aplicados com precisão milimétrica, no estilo preciso das curvas, na colocação do centro de gravidade no ponto certo para manter a adrenalina jorrando na cervical sem cruzar a linha da tragédia, mantendo a tensão no nível exato que faz qualquer um que esteja assistindo vibrar num êxtase emocionado de criança. Um desses caras, aliás, alternava seus drops com o filho, um molequinho de uns 12 anos, que descia também de longboard, às vezes de forma mais técnica e arrojada que o próprio ‘véio’.
Por que diabos então um dos esportes mais técnicos, difíceis de aprender e alucinantes do mundo, que movimenta uma economia de milhões de dólares, tem ídolos, programas de tevê e revistas e hoje tem milhares de praticantes na casa dos quarenta e poucos, continua tendo cara de molecagem?
A resposta parece morar na observação um pouco mais atenta do que é exatamente a infância. Este é o período em que nossa vida está nos membros. Braços e pernas são nossos terminais de contato com o mundo exterior que, na verdade, temos dúvidas se existe mesmo.
Queremos e conseguimos 100% das atenções. Queremos tudo, tocar, correr, deslocar nosso corpo pelo espaço o mais rápido possível, mesmo que o domínio sobre o equilíbrio seja limitado. Amamos estar vivos, mesmo que não tenhamos tempo para racionalizar sobre isto, e, mais do que tudo, não medimos as reais conseqüências daquilo que fazemos para satisfazer nossos instintos básicos e buscar o prazer. Em resumo, é difícil pensar em uma época da vida em que sejamos mais livres, em que só tenhamos de prestar contas à nossa própria existência.
É fácil perceber que a definição acima serve como luva (ou wrist guard) para explicar como age e se sente alguém que se joga ao sabor da gravidade, numa ladeira, half pipe, ou simplesmente joga o peso de um lado para o outro, gerando a energia que transmite para o carrinho num terreno plano qualquer.
Talvez o cara duas horas depois tenha de estar no escritório administrando um fundo de ‘private equity’, seja professor de física quântica ou pai de doze filhos mas, naquele momento, é só um moleque de boné, sentindo o vento na cara e a graça de estar vivo, inteiro, uma peça auto-suficiente que faz sentido em si, apenas pelo movimento rápido que mantém o caos sob controle, dure o tempo que durar. Skate é coisa de moleque.
LEIA TAMBÉM
MAIS LIDAS
-
Trip
Bruce Springsteen “mata o pai” e vai ao cinema
-
Trip
O que a cannabis pode fazer pelo Alzheimer?
-
Trip
Entrevista com Rodrigo Pimentel nas Páginas Negras
-
Trip
5 artistas que o brasileiro ama odiar
-
Trip
A ressurreição de Grilo
-
Trip
Um dedo de discórdia
-
Trip
A primeira entrevista do traficante Marcinho VP em Bangu