Carlos Pianowiski faz manobras arriscadas a 15 metros de altura sob o efeito do álcool
Abalado pelo suicídio da mãe, Carlos Pianowiski desafiou a morte inúmeras vezes e se tornou um dos maiores rollers do mundo. Ele se atira de corrimões de 15 m de altura, faz manobras arriscadas com camisa de força ou sob o efeito de álcool – sem nunca pensar que o fim pode estar por perto
Aos 14 anos Carlos Pianowiski viu uma propaganda de cigarro na TV, na qual um homem saltava sobre carros calçando patins. “Resolvi que ia ser aquele cara, tipo super-herói.” A ideia não foi bobagem de criança. Na mesma semana, o garoto pediu um par para os pais, e durante uma viagem ao Paraguai o desejo foi realizado. “Quando voltei pra Curitiba meus amigos também tinham ganhado patins no Natal, era moda, então passamos a andar juntos”. Nessa época, o garoto nem sonhava que seria uma estrela dos X-Games, viraria marca de patins e que construiria uma sólida carreira internacional baseada em um pacote que inclui sorte, farras, bebedeiras e um talento ímpar para manobras com risco real de morte. “Já quebrei a clavícula, a mão em três partes e pelo corpo as cicatrizes são tantas que meu avô diz que meu couro é de terceira, não serve nem pra fazer sapato”, diz Pianowiski, hoje com 27 anos.
No dia 18 de abril de 2001, Pianowiski estava inquieto. Resolveu alugar um filme e se trancar no quarto para acalmar a cabeça. Passou 90 minutos olhando para a televisão, mas não se lembra de uma só cena. Ouviu um barulho no cômodo ao lado e, mesmo antes de conferir com os próprios olhos, já sabia o que havia acontecido. “Minha mãe sofria de depressão. Em casa todo mundo tinha que trabalhar, e eu fui o que acompanhou mais de perto a rotina do problema. Ela dizia que não aguentava mais, que não queria sair da cama. Aos poucos, se despediu de todo mundo e, naquele dia, deu um tiro na cabeça”, revela com os olhos marejados.
Momentos antes de deparar com a cena que seria o obstáculo mais desafiador de sua vida, ele era apenas um garoto curitibano que adorava patinar com a turma de amigos depois da aula e já havia inclusive disputado alguns campeonatos em São Paulo, sem grande sucesso. “Acompanhei uns amigos mais velhos até uma competição e me dei bem. Consegui me classificar para o Asa Brasil [que depois virou a etapa nacional dos X-Games] em 1997, mas parecia que alguma coisa não me deixava ganhar. Quando chegava na final, eu amarelava.” O garoto mais novo da turma, chamado pelos amigos de Piá, não conseguia controlar as emoções. Preocupava-se tanto com a vitória que perdia a concentração. Foi assim por muito tempo. “Quando andava sem pressão mandava muito, os caras diziam: ‘Agora ninguém te segura, você tá foda, já ganhou!’. E eu ia lá e perdia.” Carlos era rigoroso. Todos os dias, antes de andar com a turma da cidade, mentalizava uma manobra e chegava mais cedo para treinar a façanha até que saísse como imaginada. Meses depois, virou profissional, tirou a zica, ganhou o brasileiro e até se arriscou em campeonatos classificatórios no exterior. Basta dar um Google no nome do moço para conferir uma série de fotos e vídeos cheios de adrenalina banhada a álcool e temperada com heavy metal. “Um dos meus primeiros patrocinadores dizia que eu não sabia beber. Respondia: ‘Beber eu sei, só não sei parar’”, brinca.
Porém, depois da tragédia familiar, Piá perdeu a vontade de patinar. “Fiquei largado, não tinha vontade de fazer nada, sair, não queria ver os amigos, não queria fazer absolutamente nada mesmo. Eu não conseguia esquecer o que tinha acontecido, fiquei com um rombo no peito.” Preocupados com o caçula de três irmãos, a irmã mais velha, psicóloga, e o pai insistiram que Pianowiski voltasse para os Estados Unidos para tentar a sorte como patinador. Compraram a passagem, e na data marcada, meio que por osmose, embarcou. “Eu não tinha mais tesão algum em competir. Passei a viagem toda rezando em voz baixa para o avião cair e me levar pra junto da minha mãe”, lembra. O pedido não foi atendido e Carlos desembarcou em San Diego sem um lugar pra dormir. Resolveu procurar a sede de uma revista especializada no esporte, que teria o endereço de um videomaker com o qual ele já havia trocado e-mails. Nesse dia, uma estrela da sorte – que ele acredita ser sua mãe – entrou em ação
"Vivo o salto do momento, porque sei que nenhum tombo vai doer mais do que tudo o que eu já passei”
Hardcore Brasil
O tal do videomaker estava na revista. Naquele momento, a equipe se reunia para falar sobre um vídeo que estava sendo gravado com os melhores patinadores do mundo. “Bati um papo com o grupo, e o cara me deixou ficar na casa dele e acompanhar o trabalho. Dias mais tarde, dois dos patinadores cancelaram suas participações. Um deles precisou voltar para o seu país, e o outro quebrou a perna”, conta. O vídeo já estava praticamente pronto, e a equipe, desesperada com os desfalques (o trabalho seria lançado no maior evento de patinação dos EUA), convidou o brasileiro para arriscar umas manobras. “Eu não tinha a menor ideia do que tinha que fazer. Perguntei: ‘O que vocês acham de eu pular dali [apontando para um muro muito alto]? O que vocês acham de eu descer esse corrimão em espiral? Os caras não acreditavam. Eu me jogava sem dó, não tinha medo, estava anestesiado.”
Mesmo depois de impressionar editores e equipe de vídeo com as manobras insanas e levar o apelido pelo qual é mundialmente conhecido – Hardcore Brasil –, Piá não podia ser profissional nos EUA, porque não havia competido nas categorias de base. O tempo que passou por lá foi gasto com muita bebedeira, amigos, festas. Um belo dia, uma brasileira que ia competir entre os profissionais apareceu por lá e pediu ao amigo que a acompanhasse até o local de inscrição. De bobeira, Carlos foi até lá e teve a prova de que a estrela da sorte não estava mesmo de brincadeira. “Meu inglês era péssimo. Enquanto minha amiga preenchia a papelada, perguntei ao coordenador da prova se poderia dar um rolê na pista, que já estava montada para o dia seguinte. Sem entender direito o que eu havia falado, ele me deu uma ficha de inscrição e disse que eu deveria correr porque a mesa já ia fechar”, gargalha. Sem querer, Pianowiski acabava de carimbar seu passaporte para o campeonato mundial nos EUA. “Fiquei na minha. Achei que era questão de tempo até descobrirem. Relaxei, e quando chegou a competição, tomei umas cervejas e me joguei na pista como na época em que corria com os amigos de Curitiba, por diversão.”
No dia da competição, Piá escolheu “Angel of Death”, do Slayer, para a trilha de sua apresentação. Na primeira rodada, caiu, porque nunca havia andado em uma pista daquele porte. Crente de que a farsa já havia sido descoberta, arriscou manobras mirabolantes, deitou no chão, fez air guitar e levou o público à loucura. O golpe foi descoberto, mas, como Piá ficou entre os quatro melhores do mundo e ainda deu show, os diretores decidiram mantê-lo como Pro. Pouco tempo depois o vídeo foi lançado no tal festival. “Entrei naquele lugar por acaso e saí assediado por patrocinadores e atletas e dando autógrafo.” O brasileiro consolidava uma carreira e virou mestre na modalidade conhecida como disaster, na qual faz manobras de alto risco, na maioria das vezes sem proteção. Apesar de afirmar que bebida e patinação não andam juntas, Pianowiski admite já ter competido bêbado mais de uma vez. “Às vezes rola de uma prova cair no domingo. Aí já sabe... Tem balada com os amigos no sábado, ressaca. Pra ficar bem, volto pra cerveja e fica tudo certo”. Questionado sobre a associação entre a falta de medo do risco e a morte da mãe, Carlos engole seco e confirma com a cabeça. “Não penso no depois, não calculo risco, não tenho medo de me machucar. Vivo o agora, o salto do momento, porque sei que nenhum tombo vai doer mais do que tudo o que eu já passei.”
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