por Luiz Filipe Tavares

Gênio da bossa nova faz show beneficente em SP e discute importância do ensino de música

Como definir em poucas linhas o trabalho de um cara como João Donato? Para isso, não podemos esquecer que ele é considerado um dos maiores pianistas da história da música brasileira, nem que ele é um dos mais prolíficos e ativos compositores e arranjadores do Brasil. Mesmo passando nos Estados Unidos os primeiros anos de Bossa Nova, João voltou ao país em 1962 para tornar-se referência no cenário mais sofisticado da nossa música popular, gravando com todo mundo de Tom Jobim a Eumir Deodato, passando por Sergio Mendes e Astrud e João Gilberto. Em quase 60 anos de carreira foram 18 discos solo de estúdio e incontáveis parcerias com músicos dos cinco continentes, com trabalhos que influenciaram ao menos três gerações de compositores por todo o mundo.

No próximo dia 30, o pianista que tocou com Herbie Mann, Chet Baker, Bud Shank, Chico Buarque, Caetano Veloso, Cazuza, Gilberto Gil, Ronaldo Bastos e até o com o poeta Haroldo de Campos sobe ao palco do Citibank Hall para mais uma parceria: um encontro especial com bolsistas e ex-bolsistas do Projeto Guri, criado em 1995 pelo governo do estado de SP e que oferece bolsas de estudo e cursos de música para jovens de baixa renda. Antes da apresentação, João Donato encontrou um tempo para falar com a Trip sobre a importância do ensino de música e sobre o show beneficente que terá toda a renda revertida para o projeto social.

"As participações de artistas nesses eventos são muito positivas. Dão um prestígio maior e acrescentam um interesse extra para todos os envolvidos com o projeto. Sem falar que também acrescentam em interesse para quem vai ouvir. E é importante que isso seja mantido, ainda mais nesse caso. São crianças e adolescentes que vão receber bolsas de estudo e é muito bom poder estar envolvido com projetos sociais desse tipo. É importante ampliar os horizontes musicais dessa moçada", comentou com propriedade o compositor carioca, que ainda fez um apelo em nome do ensino geral e irrestrito de música nas escolas do Brasil.

"O ensino de música é importantíssimo. Melhor seria se ensinássemos todas as nossas crianças, a partir dos cinco anos. Você vê a experiência dos Estados Unidos nesse caso. Lá, os grandes músicos e expoentes começaram na escola a tocar os intrumentos a que depois se dedicaram. Todos os músicos americanos que eu conheci me contaram que começaram muito jovens, ainda na escola primária. Quando tivermos música nas escolas primárias daqui também, vão aparecer um monte de grandes músicos que nunca saberiam que tinham esse dom de uma outra forma, por falta de instrução e oportunidade."

Velha guarda, nova escola

E para um compositor do gabarito de João, que se recusa a ficar parado no tempo, nada melhor do que ter cada vez mais contato com gerações mais e mais talentosas e bem preparadas. Essa troca de experiência e juventude que acontecerá no palco do Citibank Hall também acontece em doses diárias, na própria casa do pianista, onde a relação com o enteado adolescente traz o que há de mais novo na música mundial para acrescentar ao imenso repertório de um veterano que já escreveu temas clássicos como Amazonas, Lugar Comum e Até Quem Sabe. Mesmo depois de tantos anos em volta do que há de mais fino na música popular brasileira, Donato não fecha os olhos para os novos artistas do país.

"Eu sempre acabo descobrindo o que há de novo na música, afinal, tem um jovem de 18 anos (André Belem, filho da esposa Ivone) lá em casa que também adora música. Ele baixa da internet, ele pinta e borda. Então eu sempre acabo ficando sabendo das últimas novidades que estão saindo. fico sempre atualizado", diverte-se João Donato, que também falou sobre as parcerias que fez com artistas da nova geração da MPB. "Foram coisas que aconteceram naturalmente. A gente foi se encontrando casualmente. Eles apareciam em apresentações que eu estva afazendo e me convidavam pra uma ponta no que eles estavam fazendo. Foi assim com o Marcelo D2, com o Marcelinho da Lua, com a Thalma de Freitas e a Fernanda Takai. Tudo isso foram coisas que aconteceram casualmente. Adorei ser convidado por eles,  tanto é que muitos eu convidei de volta em outras apresentações que eu fiz." 

Essa fusão de velhos sucessos e novas fórmulas transparece também na gravação de Nasci para Bailar, DVD lançado pelo selo Biscoito Fino no ano passado, com a gravação do show que fez no Festival de Jazz de Havana, em Cuba, reunindo imagens de palco, bastidores, parcerias, entrevistas e toneladas de material muito legal da viagem de Donato ao Caribe. No tracklist, Vento no Canavial, Aquarela do Brasil, A Rã e Descarga Cubana, além de todo o carisma do compositor carioca.

"A ideia do DVD foi algo que também aconteceu naturalmente. Fui a Cuba como parte do festival de Jazz de Havana. E a Tetê Moraes, que é daqui e já fez um filme premiado chamado O Sol nas Bancas de Revistas, resolveu me acompanhar para ir filmando a viagem e os encontros que eu fui tendo no caminho. E assim foi. A gente ia encontrando as pessoas e ela ia registrando tudo. Combinamos encontros musicais, ela filmou parte das apresentações durante o Festival. Os passeios que a gente fez também foram filmados. Tem imagens da gente passeando na cidade, na beira da praia. Ficou muito espontâneo, muito natural e muito agradável. Eu gostei muito de fazê-lo." 

"Tem muito de samba na música cubana. Como aqui, eles tem a mesma influência africana, com os mesmos cantos de candomblé. São iguaizinhos. Os toques de atabaques, os cantos de santos: todos iguais. E é essa influência africana, que no Brasil resultou no samba, lá eles transformaram em mambo", continuou Donato em um paralelo entre o som caribenho e a música brasileira. "A música brasileira tem uma riqueza de melodias, de harmonias e de ritmos variados. Ao meu ver, um dos países mais ricos musicalmente é o Brasil. Nossa música encanta o mundo inteiro. Temos a influência americana, aquela mistura do jazz com as nossas melodias, por isso as nnossas músicas acabaram virando uma música prazerosa, tocada tanto pelos músicos de jazz no mundo inteiro." 

"Hoje a música tem muitas funções na nossa vida. Ela serve para todos os fins. Hoje tem música para funeral, música para casamento, música para batizado, música para  aniversário, para baile e para festa. Tem música para você ficar irritado, música calmante, de hospital, música romântica para deixar apaixonado. Música é uma coisa praticamente divina quando ela é bem utilizada, quando não é utilizada só para ficar famoso ou enriquecer. A música tem a função de elevar a alma e o espíritos das pessoas, fazer bem aos ouvidos e ao coração.Com a música, a gente vive mais. Mais e melhor. A música é importantíssima para mim e para você."  

Vai lá: João Donato e Bolsistas do Projeto Guri
Quando: 30/05/11, segunda-feira
Onde: Citibank Hall - Al. dos Jamaris, 213. Moema - SP
Quanto: R$ 200
Informações: www.ticketsforfun.com.br

Todo valor arrecadado pelos ingressos será revertido para o Programa de Bolsas do Projeto Guri.

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