por Paulo Lima
Trip #286

Dedicar alguns meses para estudar o Japão e seu povo é nossa modesta contribuição na direção de entendermos muito mais o que nos une do que aquilo que nos diferencia

É bastante comum ouvir de quem vai ao Japão pela primeira vez algo sobre o impacto do contraste entre o tradicional milenar e o moderno acachapante. Talvez isso chamasse ainda mais atenção num passado recente, quando o país detinha um quase monopólio da inovação tecnológica de ponta e os pais das pessoas que hoje se amontoam diante das lojas nas vésperas dos lançamentos da Apple faziam o mesmo na porta da megastore da Sony em busca de um novo modelo de walkman ou outra traquitana semelhante. Mesmo descontado o enorme efeito da globalização de informação, coisas, hábitos e costumes, ainda é considerável o choque sentido por qualquer um ao pisar em Tóquio ou em outro ponto desse país fascinante. Numa primeira análise, as maneiras polidas, o respeito pelo outro e pelo coletivo, ambos levados às últimas consequências, deixam até o mais civilizado dos visitantes encantado por um misto de admiração e inveja. Muitos milhões de pessoas interagindo de forma organizada, harmoniosa, com níveis inacreditavelmente baixos de confusão, ruído, acidentes, crimes e outras mazelas tão típicas de qualquer aglomerado humano.

Mas, para o bem e para o mal, sempre que se aproxima a lente, a fotografia edulcorada feita com o distanciamento das teleobjetivas ganha contornos mais ácidos e realistas. Essa é a pretensão desta edição da Trip focada no Japão. Ir além da exaltação a aspectos que de fato existem e são dignos da mais profunda admiração. De forma especial, os interesses de todos jamais relegados a um posto secundário diante do conforto ou do privilégio de um indivíduo ou de um grupo menor. A capacidade de honrar o passado e celebrar aquilo que representa as fundações de uma cultura, sem deixar de apontar a antena ao contemporâneo, o culto ao detalhe, à qualidade, às coisas pequenas e até às microscópicas que de alguma forma são gigantes em seus significados sutis, a arte elevada ao plano do sublime, a dedicação ao ofício como um sacerdócio, a delicadeza como parte do cotidiano. Haveria milhões de outras belezas para desfiar, ainda que a lista mais extensa fosse incapaz de descrever a graça do Japão e de seu povo de forma completa. Mas, outra vez, nossa intenção é descer um pouco mais, chegando ao segundo subsolo da vida real. E quando mergulhamos de verdade em qualquer agrupamento humano, novamente para o bem e para o mal, nos deparamos invariavelmente com um denominador comum bastante claro.

Mesmo numa sociedade que frequenta o topo de qualquer lista crível dos povos mais avançados do planeta, o que se encontra para além da epiderme é um caldo complexo, com muitos ingredientes saborosos e agradáveis aos sentidos, mas inevitavelmente acrescido de angústias, traumas, tragédias e ansiedades que geram dor, desigualdade, preconceitos violentos e outros tipos de sofrimento em doses importantes. Dedicar alguns meses para estudar o Japão e seu povo, a vida dos japoneses no Brasil, de seus descendentes nacionais, de brasileiros vivendo no arquipélago, da mestiçagem existente por lá hoje e outros ângulos menos visitados dessa nação incrível é nossa modesta contribuição na direção de entendermos muito mais o que nos une do que aquilo que nos diferencia. Afinal, o que sempre nos pareceu ainda mais fascinante do que qualquer grupo específico de pessoas é que, quando examinados de perto, somos todos micropartes do mesmo organismo frágil, simplório, instável e, em igual medida, maravilhoso.

 

Créditos

Imagem principal: Domínio público

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