Um dos principais personagens da fotografia espanhola e um dos gênios da publicidade brasileira nos deixaram recentemente
No dia 8 de agosto deste ano morreu, em Barcelona, Oriol Maspons. Tinha 84 anos e foi um dos principais personagens da fotografia espanhola. Seu olhar, inquieto e sarcástico, se interessava por tudo o que o rodeava: moda, arquitetura, publicidade, ilustração gráfica, retratos. Tenho a sorte de ter uma prima bonita e o destino fez com que, muitos anos atrás, Oriol caísse de amor por ela. Se casaram e assim passei a conviver de perto com uma das figuras mais divertidas que já cruzaram a minha vida. Foi através de Oriol que descobri que existia um mundo iluminado, bem além das tardes tristes de minha juventude, e foi por causa dele que decidi ser fotógrafo e ver a vida mais de perto.
No dia 6 de setembro deste ano também morreu, em São Paulo, Francesc Petit. Tinha 79 anos, nasceu em Barcelona e veio para o Brasil em 1952. Petit é considerado um dos gênios da publicidade brasileira e tem na sua estante toneladas de prêmios internacionais. Para mim, ele foi o maior. Tive a sorte de trabalhar para Petit e, durante muitos anos, estive bem próximo dele. Tudo o que sei aprendi com Petit. E, quando digo tudo, não me refiro a pegar uma câmera e fazer com que a foto saia do outro lado. O que Petit me ensinou foi como olhar, como radiografar a vida, o mundo, as pessoas. Me ensinou como encarar os problemas, como me comportar em uma reunião, como dizer não quando era necessário, como me manter alerta o tempo todo.
Se com Oriol aprendi como apreciar cada momento em que as novidades desfilavam diante dos meus olhos, Petit me ensinou como encarar a minha profissão com um padrão de qualidade e um nível de exigência acima da média. Como procurar sempre a excelência e não se conformar com pouco. Como fazer tudo com elegância, objetividade e prazer. Porque, não se enganem, Oriol e Petit eram, o tempo todo, cérebros atentos a tudo o que os rodeava e, acima de tudo, artistas que saboreavam a vida nos mínimos detalhes. Eles conseguiam enxergar muito além do óbvio, além da curva do tempo. Aprendi a confiar nos meus instintos e perceber detalhes que fazem a diferença.
Porco com chocolate
Sentar em volta de uma mesa para um almoço com Petit, ou com Oriol, era a chance de ouvir opiniões e pontos de vista surpreendentes sobre qualquer tema. O tempo passado com eles era a certeza de momentos iluminados, divertidos, desaforados, criativos e irreverentes. Uma aula magna que revigorava a mente, abria os olhos e aguçava os sentidos. O prato mais sofisticado, elaborado e estranho que já saboreei em minha vida foi em um almoço com Petit. Em um pequeno restaurante de Barcelona, me sugeriu escolher um prato feito com peus de porc amb llagostins i xocolata, que são, nem mais nem menos, pés de porco com lagostins e calda de chocolate. Foi a glória, memorável, inesquecível, tanto a comida como a conversação. Em outra ocasião, Oriol me convidou para jantar em Barcelona e, para minha surpresa, na mesa estavam todos os fotógrafos da velha guarda. Era como estar sentado entre os cavaleiros da Távola Redonda da fotografia catalã.
A linha do tempo me separou dos dois. A última vez que vi Petit foi em um restaurante (não podia deixar de ser) aqui em São Paulo. Estava elegante como sempre, e seu olhar, mais atento do que nunca. Trocamos um abraço e a promessa de um almoço que não aconteceu. Dois anos atrás estive por 24 horas em Barcelona e, como não poderia deixar de ser, marquei outro almoço com Oriol. Foi em um lugar de quinta categoria, rodeados de delinquentes manifestos, mas onde se comia muito bem. Falamos das fotos perdidas, as imagens que todo fotógrafo nunca esquece, e ele me deu seu último livro. Um abraço forte para você, Petit, e outro para você, Oriol, que estão aprontando lá em cima. Para vocês, desde aqui embaixo e com saudade, tiro meu chapéu.
*J. R. Duran, 59, é fotógrafo e escritor