Interdependência ou morte!

Ao contrário do que muita gente pensa, depender do outro não é sinal de fracasso

Caro Paulo,

Pois é, Paulo, está sendo um sufoco coincidir sua agenda com a minha nas próximas 72 horas para a gente se encontrar. Normal. Está faltando tempo para todo mundo.

Mais que petróleo, água limpa ou ar puro, a grande crise de recurso natural de nossa época é a falta de tempo. E você sabe por quê? O problema está no planejamento dos processos, na maneira como nos organizamos e nos pressupostos dos cronogramas dos projetos. Está tudo errado. Imaginamos que podemos tomar decisões de forma mais independente e mais rápida, sem considerar outros fatores, outras áreas, outros processos, outras pessoas.

Em outras palavras, não nos demos conta ainda de que vivemos uma realidade interdependente, que exige a união das pessoas e a integração de visões, decisões e cronogramas para que os projetos sejam mais adequados, inteligentes, eficientes e, como se diz modernamente, sustentáveis.

O problema é que contávamos com um mundo simples composto de partes independentes, como uma máquina com funcionamento controlável e previsível. Só que estamos vivendo num mundo complexo onde todas as partes são interdependentes, como um ser vivo sensível e criativo que muda o tempo todo de um jeito imprevisível e sem controle. O impacto desse equívoco é colossal nos dois aspectos mais banais e estressantes de nossa vida: tempo e espaço.

Falta tempo e faltam salas de reunião. As agendas e as salas estão lotadas. É incrível a criatividade dos executivos para criar condições de tempo e de espaço para viabilizar a troca de idéias. Sábado, domingo, de noite, de madrugada, café-da-manhã, almoço, jantar, lanche, berçário, hotel, em casa, no avião, no aeroporto, no carro.

É um esforço físico brutal, como se estivéssemos tentando enfiar um João Gordo no jeans do Arthur Veríssimo. Não vai dar certo, como já não tem dado para todos os executivos que são obrigados a espremer hobbies, sexo, descanso, estudos, leituras ou academia no pouco tempo que sobra.

Desafio

Só tem uma saída. Começar tudo de novo, mas a partir do pressuposto da interdependência, por mais difícil que isso seja. Todo mundo entende o que é interdependência e concorda que ela é uma realidade cada vez mais presente em nossas relações. Mas ninguém está emocionalmente disposto a abrir mão do seu sonho de independência.

Nossos pais nos ensinavam, e nós ensinamos aos nossos filhos, que ter sucesso é ser independente. Depender de outro é humilhante. Na melhor das hipóteses, é ameaçador depender de alguém que pode te faltar de uma hora para outra.

Nas empresas, depender de um funcionário, de um fornecedor, de um acionista é muito arriscado. Se independência foi a palavra de ordem na sociedade industrial, interdependência é o desafio da sociedade do conhecimento, do network, da comunidade planetária, do tempo real. Como a Daura, da cidade de Patos, promotora da Natura, me disse uma vez: "Hoje em dia, se um pisa no tomate, todo mundo escorrega junto!". Simples assim. Mas, se é simples entender, é muito difícil praticar.

Precisamos acolher amorosamente a interdependência dentro de nossos corações para que essa constatação não nos ameace e não nos faça perder o sono com medo do outro, de quem a gente pode depender. É uma nova atitude. Eu queria que meus filhos curtissem e cultivassem a interdependência como um valor e um estilo de vida para que, quando eu ficasse bem velhinho e dependente de alguém, que esse alguém não fosse um enfermeiro, mas um filho ou uma filha que me deixassem depender deles com prazer, sem que eu me sentisse um peso em suas vidas.

Planejar uma vida ou um projeto de empresa a partir da interdependência é algo que todos temos que aprender. Como o espaço da coluna acabou, fica para a próxima vez falar do que tenho aprendido nessa batalha.

O abraço saudoso do amigo ausente.

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