Já dizia Dorival Caymmi: ”pobre de quem acredita na glória e no dinheiro para ser feliz”
Folclore à parte, é bem possível que tenha se dado a bordo deste sofá ou de alguma de suas redes, pendurada nos ganchos das paredes de sua casa no Rio ou amarrada em troncos de coqueiros na Bahia, o momento mágico em que o iluminado compositor Dorival Caymmi lapidou o verso seminal:
“Pobre de quem acredita Na glória e no dinheiro para ser feliz”
Ora pois... Mas Caymmi ficou muito famoso e também ganhou um bom dinheiro ao longo da vida, diria o observador menos contido.
Aqui, vale lembrar que há uma crucial diferença entre a ideia de fama, tão desesperadamente perseguida nestes dias, e a noção de notoriedade.
Dorival, a bem dizer, ganhou notoriedade, a reputação que resulta do talento ou do mérito. Ou de ambos, como é o caso dele que, sublinhe-se, gostava sim de sossego e de paz, mas, ao contrário da compreensão estereotipada que fez colar em seu nome desde sempre a figura caricatural e em boa medida preconceituosa do “baiano típico”, vibrava e vivia o movimento da cultura urbana de sua época, das letras, do rádio, dos jornais e da intelectualidade, interagindo e produzindo muito e de forma intensa.
Mas o assunto deste número da Trip não é exatamente Dorival Caymmi. Nem fama.
O que nos intrigou e funcionou como inspiração para chegarmos ao tema da presente edição foi uma constatação curiosa. A época em que a superexposição assustadoramente gera valor material por si e em que a fama parece transferir certo tipo de poder instantâneo (frequentemente confundido com sucesso) a quem se presta a persegui-la deu à luz um subproduto exótico: a associação do anonimato e da opção pela pouca exposição, pela preservação de um espaço mais reservado e pela privacidade à noção de fracasso. De algo menor.
Não nos interessa julgar quem decide por ir atrás da luz e do centro do palco midiático. Bem além disso, fomos atrás de analisar e compreender melhor o prazer de quem parece não precisar ser notado ou aprovado pelos demais para vagar feliz por essa dimensão e transitar leve pela vida.
Para isso, partimos para ouvir quem experimenta, experimentou e largou e até mesmo quem, voluntariamente ou não, sempre fugiu do foco de atenção e da busca do reconhecimento público.
Estudando o comportamento de um dos mais conhecidos artistas de todos os tempos, conversando com gente da fila A da televisão, da música, do teatro e até com um surfista conterrâneo de Caymmi capaz de proezas notáveis mesmo sem ser notado, tentamos entender o que significa estar de um lado e do outro e, de forma especial, analisar os prazeres, as sutilezas e, por que não, certa sofisticação elegante (hoje tão pouco entendidos e valorizados) do anonimato.
Foi isso o que nos moveu ao mergulho silencioso desta Trip.
Paulo Lima, editor