Para dormir bem, é necessário ter boa saúde, penumbra, diminuição de ruídos e compreensão da condição humana, porque todos somos inocentados quando o sono chega
“Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te perguntam: Trouxeste a chave?” Carlos Drummond de Andrade
Desde que me conheço, tenho problemas com o sono. A tendência tem sido diminuir as horas dormidas, na medida em que avanço nos anos. Quando pequeno, falava, gritava e tinha crises de sonambulismo enquanto dormia. Para dormir tenho que estar bem cansado, e é curto meu período de sono, embora intenso. Parece paradoxo. Poderia ser dito: “Até no sono você quer ser intenso?”. Parte da noite passo girando pra lá e pra cá, quase em febre. O esforço é para reencontrar aquele leve desmaiar, descanso da lucidez. Por isso, há muito venho lendo tudo o que me cai em mãos acerca do assunto.
Do que venho descobrindo, a primeira coisa a ressaltar é que a relação com o sonho nos é desconhecida. Temos estudos, indicações, hipóteses e postulados. Estamos iniciando esse aprendizado. Mas já existem algumas provas laboratoriais e de pesquisa sobre o sono. Por exemplo, a ONG SOS Estrada fez levantamento durante dois anos nas rodovias brasileiras. De 216 acidentes acompanhados, a pesquisa indicou que 20% dos motoristas estavam cansados por conta de noites maldormidas.
Acidente é, necessariamente, conseqüência. A nossa existência se desenvolve através de atos que causam conseqüências. Até quando não agimos, estamos causando. Outra indicação é que não há como repor sono perdido. Por mais que se durma posteriormente. O prejuízo já estará contabilizado na economia do corpo. Os pesquisadores informam que o sono regulariza os hormônios. Acordados, gastamos substâncias químicas que somente são repostas durante o sono. O Instituto Francês para Nutrição demonstrou que a redução do sono diminui a retenção de leptina (limitador do apetite) e aumenta a de grelina (que dá sensação de fome). Quem não dorme bem aumenta em 24% seu apetite. Necessita de alimentos ricos em gorduras e açúcares. É quase uma compensação. Concluíram que a falta de sono pode desencadear epidemias de obesidade e até doenças como diabetes.
Encontrar um ideal em termos de qualidade de vida necessariamente passa por um respeito mais profundo pelas horas de sono. O sono obedece a um ritmo regulado pelo nosso relógio biológico, mas completamente sincronizado pela atividade social de cada um. A insônia, segundo cientistas, provém de ritmos externos que escapam ao nosso ritmo normal. Como nos relacionamos no meio social determina como será nosso sono. Muito do se que considerava característica pessoal, sabe-se atualmente, está ligado a como se dorme. Pesquisadores da Harvard School, após experimentos comprovados, chegaram à conclusão de que a maioria dos distúrbios psiquiátricos está diretamente relacionada com o sono. Até então, pensava-se que problemas psiquiátricos levavam à dificuldade de dormir. É um grande avanço na compreensão de tais distúrbios.
DIGESTÃO MEMORIAL
Do que li, percebo que o sono é uma mudança de atividade. Quando sonhamos, os cientistas mediram, o cérebro tem o mesmo ritmo de atividade de quando estamos em vigília. Avanços científicos apontam para o fato de que há uma estreita relação entre o sono e o aprendizado. Uma boa noite do primeiro facilita o segundo. Pesquisas demonstram que as crianças que dormem após o almoço tendem a ter um melhor aprendizado.
O sono é uma digestão memorial. Temos o que os cientistas chamam de “memória recente” e “memória de base”. A primeira foi localizada no chamado hipocampo. A outra no córtex cerebral. Depois da localização das memórias, descobriu-se que a “memória recente” migra para o córtex cerebral, tornando-se “memória de base”, durante o processo do sono. Assimilamos definitivamente o que aprendemos quando dormimos.
Dormir bem é um ideal que persigo incansavelmente. Às vezes parece o bem mais querido. Quando paro de lutar com a insônia, às vezes consigo relaxar e dormir. Acho que, de modo geral, para dormir bem, é preciso ter uma boa saúde, em primeiro lugar. Depois penumbra, diminuição de ruídos e compreensão de nossa condição humana, porque estamos todos inocentados quando o sono finalmente vem.