Igual, mas diferente

A TV segue firme e forte nos lares de todo o planeta

Eu sou da geração da TV. Não estou dizendo que sou velho a ponto de ter trabalhado no seu nascimento, mas tive a infância marcada pela consolidação da televisão enquanto mídia de massa. Eu fui um alegre telespectador do Vigilante rodoviário, da Vila Sésamo, dos festivais de Música Popular Brasileira e, me lembro, ainda hoje, dos jogos do Brasil na Copa de 70. Eu também vivi as crises familiares que a TV causava. Minha mãe era contra, e retardou o quanto pôde a entrada daquele aparelho mágico em nossa casa, mas meus avós foram early adopters, de modo que eu me virava. Quando a TV finalmente rompeu a barreira e arranjou um lugarzinho na sala de casa, ainda era em preto e branco, quando boa parte de meus amigos já assistiam a programas em cores nas casas deles, mas isso não me incomodava. 

E não era só em minha casa que a fama da TV era ruim. Muita gente assistia à televisão com um olho e com o outro a criticava. Dizia-se que fazia mal (até para a vista), que se opunha à “verdadeira cultura”, nivelando tudo por baixo, que transformava as pessoas em consumidoras passivas e, principalmente, que dava um poder excessivo às emissoras oligopolizadas. A TV era vista como uma ditadora, às vezes branda, mas, ainda assim, ditadora. 

O tempo passou, eu cresci e um belo dia surgiu a web, que se propunha a tirar o trono da TV e virar o mundo de pernas para o ar. A internet me pegou na hora e no lugar certos, e eu abracei entusiasmado (e com a fé dos crentes) a causa. Nicholas Negroponte era o profeta, a revista Wired, a Bíblia, e o MediaaLab, do MIT, a Terra Prometida. A pregação dizia que, em vez de meros consumidores,
todos nós poderíamos criar e compartilhar conteúdo. O conhecimento seria democratizado e estaria acessível a qualquer pessoa, a qualquer hora, em qualquer lugar, grátis. Uma pessoa com um computador numa aldeia perdida no meio da África poderia consultar tanta informação, e criar tanto conhecimento, quanto um estudante em Harvard.

EXPLOSÃO DE SELFIES

Vinte anos depois, penso que por um lado a TV sobreviveu bem às ameaças e, por outro, a internet ficou bem aquém das expectativas: houve alguma democratização na geração e na distribuição de conhecimento, mas a verdade é que grandes grupos (tanto tradicionais, como Globo, como novos, como Google) continuam a criar e/ou canalizar a maior parte do que se consome na rede. Conforme foram passando os anos, a TV e a internet aprenderam a conviver e estão desenvolvendo um ótimo relacionamento (na verdade, muito mais do que a televisão, quem vem apanhando pesado da internet, sem ainda ter conseguido achar o caminho de casa, é Mediaa mídia impressa). A renovada TV já não é tão fechada e centralizada, e centenas de pequenas produtoras conseguem, bem ou mal, exibir seus trabalhos. Mas o Brasil ainda para pra ver o último capítulo da novela das 9; o Jornal Nacional, com seu insuportável tom pedagógico, segue tendo uma influência descomunal; e a propaganda política na TV aberta não deixou de ser uma poderosa praga, muito mais “propaganda” do que “política”. 

Olhando para trás, eu vejo com um misto de ironia e melancolia a fé evangélica que cheguei a ter na internet. Da promessa de que todo mundo poderia criar conteúdo, o que se viu mesmo foi a explosão dos selfies nas redes sociais. Acreditei que a tecnologia da informação revolucionaria a educação, apenas para concluir, 20 anos depois, que computador pode ser importante, mas no fim das contas é apenas mais uma ferramenta, que o que conta mesmo são professores motivados compartilhando o espaço das salas de aula com seus alunos. 

Sim, a tecnologia muda o mundo. A roda mudou o mundo, o automóvel mudou o mundo, a TV e a internet mudaram o mundo. Mas nenhuma tecnologia, por si só, explode com a ordem das coisas. Décadas após ter sido inventada, a televisão segue firme, cada vez mais onipresente nos lares (e nos bares, e nas salas de espera, e nos motéis...) de todo o planeta. Fina, com telas enormes de alta definição e acesso à internet. Totalmente diferente do que era no começo. E totalmente igual.

*André Caramuru Aubert, 52, é historiador, editor e autor do romance A vida nas montanhas. Seu e-mail é andre.aubert@hotmail.com

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